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Cotidiano

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Barbara Gancia

Eu sou Team Popozuda

Muita gente aplaudiu a pegadinha do professor. Gente equivocada que não entende o papel da imprensa

Olá. Meu nome é professora Barbara, ensino filosofia e gostaria de submetê-lo a uma prova. Vamos lá? Muito bem: eu chamo você para vir à minha festa. Por algum motivo, você declina meu convite. Eu continuo querendo muito que você vá. Tentando atraí-lo, resolvo apelar. Pego emprestado seu cão de estimação, tiro uma foto dele vestido de Valesca Popozuda em meio a um cenário festivo, com mesa recoberta de comes e bebes e gente bonita ao redor. Depois posto a imagem no Facebook dizendo: "Venha buscar seu cão e aproveite para se divertir!" É correta e moral minha atitude?

O professor de filosofia Antônio Kubitschek, que atua na rede pública do Distrito Federal e elevou a funkeira Valesca Popozuda ao status de "pensadora contemporânea" com sua pergunta em prova para alunos do ensino médio, fez coisa parecida. Ao menos, foi isso que entendi ao ouvir sua tentativa magra de se explicar para Ricardo Boechat, na Bandnews FM, depois do "fait accompli".

Clarificou o autor da pergunta "Segundo a grande pensadora contemporânea Walesca Popozuda [sic], se bater de frente: a) É só tiro porrada e bomba; b) É só beijinho no ombro; c) É recalque ou d) É vida longa?" que seu objetivo não era investigar a profundidade da obra de Valesca. O que estaria em jogo ali seria a imprensa --sim, sempre ela-- e como ela interfere na formação moral da molecada.

Pude ouvir sem interferências sonoras ou zumbidos do além de qualquer ordem que, dias antes da prova com a inusual pergunta, o professor havia promovido na escola uma exposição de fotos dos alunos e chamado a imprensa para cobrir o evento. Ninguém deu as caras. Puxa. Tão pouca coisa para cobrir no Distrito Federal, né? E o pessoal vai perder um furo mundial desses, como pode?

Foi daí, disse ele, para provar como o sensacionalismo impera, que ele resolveu preparar a pegadinha da popozuda. Muita gente aplaudiu o professor. Gente equivocada que, assim como ele, não entende o papel da imprensa. Seu experimento nasceu e transcorreu tão mal quanto o exemplo que dei no começo do texto. Não provou nada e deturpou inclusive o fenômeno Valesca Popozuda, que foi a única que saiu com dignidade da história, talvez porque, como mulher acostumada a ganhar a vida se expondo, esteja acostumada a rebater críticas machistas e ofensas baratas.

Se fosse uma "grande pensadora contemporânea", ela não teria só um vistoso derrière, teria um corpo todo de ideias, como Mano Brown, Emicida, Sabotage, Chorão, Los Hermanos, Criolo... entre vivos e mortos e mortos vivos há uma pá de gente que influencia os jovens, o professor Antônio deveria saber a diferença.

Por conta de home pages eternamente no ar, que precisam ser constantemente nutridas de notícias, aumentou a demanda por lixo. E daí? Uma coisa não anula a outra. Apenas há mais de tudo. E isso não é "culpa" da imprensa nem da Valesca. E eu sinto muito se, mesmo assim, ninguém foi lá cobrir a quermesse organizada pelo professor. Alô, professor Antônio! A vida é dura. Infelizmente, 9 entre 10 leitores não estariam interessados nas fotos medianas dos seus alunos. Eu mesma preferiria cortar os pulsos com faca elétrica a ter de abrir jornal ou revista para ser exposta a esse tipo de lenga-lenga. Tem mais: chiquérrima a resposta da Valesca, que nunca teve pretensão de ser militante.

Se o senhor tem problema, lide. Compartilhar preconceito não dá. Nem tentar transformar machismo em qualidade, pelamor! Isso é lá com o Bolsonaro. Que, pelo visto, andou praticando numa repórter estes dias. Passe lá no gabinete dele, professor Antônio, que é bem capaz que ele convide o senhor para assessor de educação.


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