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Pasquale Cipro Neto

'Coração do Mundo'

Não se trata de desejar a derrota, mas de admiti-la como algo possível, o que nos livra de dizer besteiras

Chegou o dia! Depois de (literalmente) marchas e contramarchas, de denúncias, contradenúncias e (!!!) autodenúncias, a bola vai rolar.

Certamente teremos belíssimos momentos do que se chama de "futebol arte", protagonizados por artistas do quilate de Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi, Pirlo, Iniesta, Suárez etc. Mas também teremos muita bobajada, esparramada pelos meios de comunicação, sobretudo o rádio e a TV. Já estou preparado para as inevitáveis manifestações de ufanismo estúpido, que me causam o que hoje se chama de "vergonha alheia".

Se um argentino cuspir na cara de um brasileiro ou se fizer um gol com a mão, algum gênio dirá que o "hermano" é um criminoso, que deveria receber o vermelho etc. Se um dos nossos fizer isso, o gênio dirá que é "malandragem", "faz parte do jogo".

Na Copa de 94, um episódio me deixou profundamente envergonhado. Terminado o jogo final, partiu-se para a sempre tenebrosa cobrança de penalidades. Sorridentes, os goleiros Taffarel e Pagliuca caminharam abraçados para o patíbulo, digo, para a trave contra a qual seriam desferidos os tiros livres. Na TV, um narrador soltou uma pérola parecida com isto: "Sai dele, Taffarel, ele quer jogar mandinga em você". O longo abraço de Taffarel e Pagliuca, que tinha forte valor simbólico, foi visto pelo narrador como mote para o desfile da sua pobreza mental.

Ainda há uma parcela da população que segue a triste cartilha desses idiotas, mas parece-me que, felizmente, ela é minoritária. O genial Zidane já esteve no Brasil algumas vezes depois de ter sido o nosso algoz e sempre foi muito bem recebido por aqui.

Parece que a parte saudável da população está aprendendo a conviver com a ideia de que no esporte não há inimigos; há adversários, que, na essência, são a nossa razão de ser. O que seria da equipe X se ela não tivesse um adversário para enfrentar?

Mais uma vez, recorro a Drummond. Depois da derrota de 1982 (com apenas cinco minutos de jogo, um gênio da TV disse que "a Itália parece cansada, fadada a tomar uma goleada"), nosso grande Mestre escreveu esta maravilha: "E chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estaremos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória, a derrota estabelece um jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo".

Não se trata de desejar a derrota, mas de admiti-la como algo possível, o que, no mínimo, nos livra de dizer besteiras em profusão.

Encerro com a belíssima e comovente "Coração do Mundo" (melodia de Marcos Valle; letra de Paulo Sérgio Valle), renovada (e melhorada) no ano passado (a versão original é da Copa de 70) e gravada mais uma vez pelos comoventes "Golden Boys": "Eu hoje, igual a todo brasileiro / Vou passar o dia inteiro / Entre faixas e bandeiras coloridas / Parece até que eu estou em campo /Buscando a paz nos quatro cantos / Aquele gesto de erguer a taça ao povo / Brasileiros, vamos todos buscar a vitória / Nós queremos lutar pela taça / De melhor, entre os mais / Nessa hora a distância não tem mais sentido / Nosso grito de gol é ouvido / Pelo chão, pelo ar / Agora, só tenho a Copa em minha mente / A Seleção na minha frente / Torcer, vibrar, mas afinal brilhar no mundo / Sou um vencedor no mundo / Sou do coração do mundo / Eu sou um cidadão do mundo / Eu sou, eu sou, eu sou...".

Que a Copa nos faça melhores e motive o convívio civilizado. É isso.


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