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Rosely Sayão

Invisível aos outros

Na abertura da Copa uma criança gritava "Dilma 'fdp'". Ela não sabia o que fazia, mas seus pais sim

Você já se sentiu invisível no espaço público, caro leitor? Eu já. Aliás, eu me sinto invisível aos olhos dos outros toda santa vez que estou em algum lugar em que há outras pessoas sem relação ou conhecimento entre si. Inicialmente, pensei que o motivo fosse a minha velhice; sabemos que, neste mundo, crianças e velhos são invisíveis, a não ser que se comportem como jovens ou tentem se parecer com eles. Mas mudei de ideia: creio que todos nós sejamos invisíveis aos outros, porque a maioria de nós tem seu olhar totalmente voltado a si mesmo.

Assim, nos tornamos invisíveis às pessoas que cruzam conosco nas ruas, nos transportes públicos, no trânsito e nos corredores dos shoppings, por exemplo. Parece um jogo andar pelas mesmas vias que outras pessoas: ganha quem continua seu caminho independentemente de haver ou não outras pessoas em sentido contrário, e perde quem cede e recua, desvia sua trajetória ou desiste daquele trajeto, vaga, assento.

Eu me lembrei disso ao ler as mensagens de duas mulheres, ambas sem filhos, portanto não acostumadas a frequentar locais em que há agrupamento de crianças. Uma delas é fotógrafa, e a outra tem uma grande amiga que tem um filho com quase dez anos.

A primeira foi contratada por uma escola para registrar sua festa junina com alunos e famílias, e a outra acompanhou a amiga com o filho ao mesmo evento, em outra escola. As duas escreveram contando suas impressões. Ambas reclamaram de crianças malcriadas, que trombaram com elas muitas vezes por correrem sem olhar para o caminho que percorriam. As duas observaram situações muito semelhantes: havia fila para algumas barracas de comidas e de jogos, e as crianças se empurravam, brigavam, se xingavam usando palavrões pesados, tudo para alcançar antes o que almejavam.

Elas têm razão: por mais que nosso discurso afirme a tal educação para a cidadania ""que supõe a boa convivência no espaço público, entre outras coisas"" não temos conseguido praticar tal ensinamento com os mais novos. Primeiramente, porque não sabemos como fazer isso. Vejo muitas escolas com boa vontade nesse sentido, mas sem saber o que fazer para evitar que seus alunos se confrontem com grosseria e que aprendam a compartilhar respeitosamente o espaço com todos os que lá estão. O instrumento mais utilizado pela escola ainda é a punição, em suas várias formas. Ações afirmativas nesse sentido são difíceis de ser encontradas no espaço escolar.

Além disso, nós também não sabemos ensinar às crianças a boa convivência no espaço público, porque não a praticamos, como eu disse no início de nossa conversa. Ora: como ensinar o que não sabemos, como esperar algo diferente dos mais novos se eles não mais têm matrizes de comportamento adulto que os iluminem? Não posso deixar de fechar esta conversa com um comentário a respeito do fato ocorrido no jogo de abertura da Copa, em que a presidenta Dilma foi xingada pela plateia. De minha casa, onde assisti ao jogo, ouvia uma criança gritar insistentemente: "Dilma fdp'". Certamente essa criança não sabia o que fazia, mas seus pais sabiam muito bem, e não a impediram.

Queremos que as crianças respeitem os mais velhos e a autoridade, queremos que saibam se comportar em público, esperamos que sejam pessoas de boa convivência. Mas, sem ensinamentos e com tais exemplos de nossa parte, fica difícil, não é?


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