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Jairo Marques

O social às avessas

Feio é doar aquilo que mais convém, mesmo que seja um elefante para aqueles que vivem em iglus

Com frequência, recebo pedidos de empresas para dar uma "mãozinha" na divulgação de seus grandes trabalhos sociais cujo pano de fundo, algumas vezes, é limpar a barra da carência total de retribuição pública por seus gordos lucros e lustrar um pouco mais suas reluzentes marcas.

Os absurdos são mais risíveis que dar anel de bijuteria para a rainha da Inglaterra. É a rede de sanduíche que prega a gentiliza, mas não dispõe de cardápios em braile em suas unidades; é a multinacional de turismo que quer fazer um pacote de viagens exclusivíssimo para gente quebrada, mas não emprega deficientes; é a empresa que diz amar crianças de rua, mas não possui programa voltado a aprendizes.

O desespero para mostrar o quanto a firma é bacana com pobres, doentes, infelizes e desgraçados de toda sorte pode atropelar o bom senso e passar à frente de uma estratégia que prime, verdadeiramente, por causar impacto às pessoas e beneficiar positivamente a companhia.

Certa feita, assessores de um conglomerado quiseram me convencer do quanto era "bacanuda" sua ação de vendas. O brasileiro comprava o equivalente a um quilo de ouro em produtos da marca "boazinha" e, depois, um real seria revertido para a compra de cadeiras de rodas.

"Mas que tipo de cadeira: de papel, de plástico?"

"Isso a gente vai precisar estar checando, mas qualquer uma ajuda, não é?"

Não, infelizmente, não é qualquer ação que, de fato, irá causar efeito positivo na vida de grupos socialmente vulneráveis. Achar que algo é bom para o outro sem ouvi-lo ou conhecê-lo com alguma propriedade e aprofundamento é oportunidade certa para fomentar bobagens.

Também virou moda para ganhar confetes por meio do marketing social gravar vídeos regados a momentos de emoção, com cachorrinhos sorrindo e crianças latindo, no momento em que a bondade está sendo realizada.

Como constrangimento pouco é bobagem, bota-se um representante da marca para beijar com o maior entusiasmo do mundo os meninos catarrentos do abrigo de desamparados. Ao fundo, uma música instrumental e, no final, uma mensagem engrandecendo a memorável benesse realizada para "aquela gente" sem eira nem beira.

Pessoas excluídas e instituições filantrópicas precisam de apoio financeiro e de suporte de toda ordem, mas a boa colaboração precisa somar ao ideal de acesso, de igualdade e não pode atropelar reais necessidades, valores e objetivos.

Bons exemplos de parcerias têm sido as realizadas entre hospitais e organizações que atuam contra o câncer infantil e companhias privadas endinheiradas. Está tudo certo trocar a fofura dos rostos dos que encaram tratamentos hostis e as vozes embargadas de agradecimento de seus fragilizados familiares por financiamento de pesquisas, recursos para procedimentos médicos e conscientização social.

Feio é querer apenas subtrair lágrimas e constrangedores obrigados de duras realidades. É angariar aplausos sem merecimento. É fazer propaganda com tristezas para isoladas felicidades. Feio é doar aquilo que mais convém, mesmo que seja um elefante para aqueles que vivem em iglus.

Entro em férias para relaxar a beleza e acalmar as ideias. Volto em agosto!


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