Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Tati Bernardi

Perdão, menino engenheiro

Uma apresentação dizia: o meu ser infinito revela-se só no silêncio de mim. Esse estilo não me arrepia

Ele cursa engenharia mas tem dúvidas se quer ser escritor. No café da manhã, a mãe insiste que a manga está uma delícia e puxa papo "talvez vendo um monte de gente que escreve...".

Ninguém escreve porque viu um monte de gente que escreve. Escrever é mais como o dueto entre uma colite nervosa e um banheiro longínquo. É uma cagada conquistada, solitária e, mesmo quando postergada, urgente.

Ele está neurótico com o mapa de todas as mesas e mesas extras e off mesas e mesas out da Flip, mas a mãe pede que ele tome banho antes pra dar tempo de almoçar antes pra dar tempo de ir embora antes. Talvez mandar a mãe e a manga e o banho e o antes à merda lhe rendesse ao menos um post espertinho no "Face". Foi mal, menino engenheiro. Talvez eu escreva apenas por não ser uma boa pessoa.

De resto, pra falar de impressões, a senhorinha ao meu lado gritava "grande, grande". Gregorio Duvivier é mais baixinho do que eu. Mas é enorme quando se expressa.

Depois dele veio uma apresentação que dizia algo do tipo: o meu ser infinito revela-se só no silêncio de mim e me salva do eterno saber da solidão ensimesmada do eu. Esse estilo não me arrepia nem as raízes mortas por laser dos pelos da axila. Desculpa as chatices do mundo, mino das engenharia.

À noite só entrei na festinha da Cia. das Letras porque estou, reza a lenda, escrevendo um livro pra eles. Digo que tenho 19 dos 45 textos prometidos. Tenho apenas dois.

Travei porque o único tema que me excita é a loucura mas tenho medo de parecer besta tipo "ó lá ela querendo ser doidinha".

Eu queria ser misteriosa mas sou apenas um engodinho com dentes de Mentex. Enquanto não saio da página cinco, a meiga Eleanor Catton, com 28 anos, escreveu um livro de bilhões de folhas e venceu o Man Booker Prize. E sabe o que dá mais amor por ela? Ela é humana: a vi cheia de sacolas comprando mais um vestidinho.

Eu que passei os últimos dez anos indo a festas hipsters de publicitários recém chegados de Berlim (que descobriram a nova banda franco inglesa que só tem gritos), amei dançar "você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão" com meninas sem 112 quilos de maquiagem na cara e rapazes sem camisetas revisitadas do Joy Division.

Escritores são legais e bonitinhos. Perdão, menino engenheiro. Somos inseguras carnes cruas com alguma sensualidade.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página