Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Francisco Daudt

Religiões singulares

Mesmo aqueles que se dizem ateus ou agnósticos podem carregar uma religião particular cheia de dogmas

Meu filho, apresentado aos dez mandamentos no primário do colégio católico, trouxe-me uma questão interessante: "Pai, vi um que mandava honrar pai e mãe, mas não tem nenhum mandando honrar filho e filha, por quê?" Algum tempo mais tarde, veio outra: "Cristo morreu na cruz para nos salvar exatamente do quê?"

Nada como ter um aprendizado sem a reverência do inquestionável (porque sagradas são as Escrituras) para refletir sem medo.

Se vantagens há nas religiões formais, é que seus ensinamentos e dogmas são explícitos e a eles adere quem tem o dom da fé. Quem não o possui pode pensar sobre eles e tentar compreender o que contêm, como fiz com Guilherme sobre a diferença de honras e a salvação.

Mas mesmo aqueles que se dizem ateus ou agnósticos podem carregar uma religião particular cheia de dogmas a lhes dirigir os atos, de maneira inconsciente. É o caso dos neuróticos e de portadores de outros distúrbios de comportamento que, por sofrerem com eles, acabam chegando ao consultório de um psicanalista. É minha função decodificar essas crenças ao ponto de torná-las explícitas e assim permitir que os pacientes reflitam sobre elas, rejeitando-as se elas aparecem tão injustas ou distorcidas ao ponto de se tornarem invasões nas vidas deles. É isso que Freud quis dizer ao anunciar a intenção da psicanálise: "Onde houve o Id, que haja o Ego" (atendendo minha vontade de eliminar jargões, traduzo: "Em vez de crenças inconscientes me manipulando, que eu assuma a direção de minha vida").

O senso comum infiltra a maioria dessas crenças desde a mais tenra infância, que é quando, por razões de sobrevivência, estamos mais propensos a absorver como verdade qualquer coisa que os mais velhos nos digam. Como exemplo, a cada vez que alguém me diz que "meus pais eram de origem humilde" ou "modesta", pergunto se eles tinham, de fato, as virtudes da humildade e da modéstia, ou se simplesmente eram pobres. Sim, porque já vi muito rico humilde e modesto e muito pobre presunçoso e arrogante.

Pego este exemplo em particular porque vivemos um tempo em que o lulo-petismo apostou nessa crença ao dividir o país entre ricos malvados (a tal da "elite branca" da qual faço parte, mesmo sem ser "louro e de olhos azuis", o cúmulo do demônio, nos impunes dizeres racistas do ex-presidente) e a santificação dos pobres, sobretudo se de "movimentos sociais". Eis aí um exemplo de como a crença infantil do senso comum pode manipular, não só a vida de alguns, mas a disposição de espírito em direção ao ódio de um país inteiro.

É essa a pior herança maldita de nossos tempos.

Outra: fui dizer na TV que não gostava de bichos (veja, não disse que os maltrato ou coisa assim, simplesmente que não acho graça neles) e choveram insultos contra mim, dirigidos à emissora e à minha caixa de contatos. Entre os mais brandos, que eu era frio, cruel, "da banda podre da humanidade"! Há uma religião de adoradores de bichos fofos (porcos e frangos não se habilitam --seus cadáveres vêm do supermercado), ela é fundamentalista e eu não sabia...


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página