Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Artesanais resgatam tradição das cervejas 'made in Ribeirão'
Setor, que já foi forte para a economia local no século 20, retorna em um novo formato, com pequenos fabricantes
Com rótulos premiados, marcas locais se unem para criar polo e ganhar força na discussão de interesses comuns
Referência de tempo para os moradores de Ribeirão em meados do século 20, as sirenes da Cervejaria Paulista apitavam três vezes ao dia: às 6h, às 12h e às 18h. Há quem diga até que muita gente nem relógio tinha porque preferia ser guiado pelo som da fábrica inaugurada em 1913.
A importância da Paulista para a cidade não se dava, porém, só pela sua sirene. Ela e a Antarctica --empresa paulistana que abriu em Ribeirão uma unidade em 1911-- formavam um setor que empregou milhares de pessoas e ajudou a criar uma cultura operária em Ribeirão, que até elegeu vereadores.
A partir dos anos 1980, o setor industrial cervejeiro entrou em decadência na cidade. Na década seguinte, a Antarctica, que havia incorporado a Paulista em 1973, deixou de operar em Ribeirão.
Cerca de 20 anos depois, três cervejarias artesanais estão unidas para tentar criar na cidade um turismo cervejeiro. Colorado, Invicta e Lund planejam juntas implantar um APL (Arranjo Produtivo Local).
Trata-se de um aglomerado de empresas que exploram uma mesma atividade produtiva, mantendo vínculos para a articulação, a interação e o compartilhamento de conhecimento e pesquisa.
A Colorado --empresa mais antiga das três, fundada em 1995-- e a Invicta --de 2011-- já acumulam prêmios em concursos realizados no Sul do país e no exterior --na Argentina e no Canadá.
Querem aproveitar também a fama que a cidade manteve nos últimos anos com o chope do Pinguim --existente em Ribeirão desde 1936 e conhecido nacionalmente.
"A história da cidade está intimamente ligada a essa indústria [cervejeira]", disse Dalton Marques, gerente de desenvolvimento da Fipase (órgão municipal que atua como uma agência de desenvolvimento local).
Marques não se refere apenas à Cia Antarctica e à Paulista, mas também ao histórico de pequenas fábricas de cerveja instaladas em Ribeirão com os imigrantes italianos já no século 19. A mais expressiva delas foi a Livi & Bertoldi, fundada em 1892.
Segundo ele, a ideia é fazer com o polo cervejeiro o mesmo APL que existe no setor de equipamentos médicos, hospitalares e odontológicos em Ribeirão, formado por 70 empresas, que empregam mais de 2.000 pessoas.
No caso cervejeiro, diz Marques, o trabalho ainda é incipiente, pois o projeto começou no ano passado. Mas a iniciativa dos empresários do setor de promover os primeiros encontros mostra uma "importante união".
Essa união pode resultar, por exemplo, em desonerações fiscais e isenções de impostos --a alta tributação do setor, de acordo com os empresários, é o principal entrave para o crescimento da indústria cervejeira na cidade.
PATRIMÔNIO CERVEJEIRO
Uma semelhança do atual polo cervejeiro com o do século passado são os laços com a cidade. As três fábricas artesanais de hoje foram fundadas por empresários da cidade. A Paulista foi também uma empresa de capital ribeirão-pretano, responsável inclusive pela construção dos prédios do Quarteirão Paulista --imóveis tombados como patrimônio de Ribeirão (entre eles o Theatro Pedro 2º).
A diferença está no tamanho dos empreendimentos. Antarctica e Paulista eram grandes fábricas. As três de hoje empregam, juntas, 70 funcionários.
Na visão dos proprietários e fundadores, essa união em torno da busca pelo APL é importante para o setor se fortalecer ainda mais.
"Aqui [na região] identificou-se uma competência instalada nesse setor. Temos fabricação não só de cerveja, mas de barris, chopeiras, garrafas e tanques, entre outros produtos", afirma Ronaldo Morado Nascimento, 57, presidente da Colorado. "Unidos, somos mais fortes."
Rodrigo Silveira, 34, proprietário da Invicta que já foi cervejeiro da Colorado, diz que o mercado tem muito a crescer ainda. "Juntos conseguiremos algo mais. Separados não vamos chegar a lugar algum." Segundo ele, as três cervejarias já trocam experiências e se ajudam.
Proprietário da Lund, Yussif Ali Mere Júnior, 53, mira um exemplo do Sul. "Em Santa Catarina, o governo viu que o mercado cervejeiro é importante. Por isso, definiu um ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] diferenciado. Podemos reivindicar a mesma condição."