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Finalista - Sylvia Guimarães

ASSOCIAÇÃO VAGA LUME www.vagalume.org.br

Caçadora de histórias

Casada e grávida de um menino, a historiadora de 36 anos criou uma metodologia que oferece estrutura, formação e apoio à autogestão de bibliotecas em comunidades rurais da Amazônia, além de promover intercâmbios entre estudantes daquela região com os de escolas de São Paulo; a presidente da Associação Vaga Lume, fundada em 2001, gerencia uma equipe de 14 funcionários e 106 voluntários e um orçamento de R$ 1,6 milhão (2013)

DEPOIS DE RODAR O MUNDO, ELA DESEMBARCOU NA AMAZÔNIA PARA, COM A LEITURA, RECRIAR O FUTURO DE COMUNIDADES

GABRIELA ROMEU ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA

Pendurado no escritório do pai, um mapa do Brasil, com os muitos pontinhos marcando todas as cidades que foram visitadas por ele, sempre fascinou na infância a paulistana Sylvia Guimarães, 36, uma das fundadoras da Associação Vaga Lume.

A brincadeira era achar um lugar de nome inusitado e distante onde o executivo de telecomunicações não tivesse pisado ainda. Hoje, na sede da entidade que dissemina a leitura pelos rincões da Amazônia, está um mapa indicando as localidades do Brasil que ela desbravou.

Mais do que conhecer lugares de um Brasil inóspito, ela tinha sede de descobrir as histórias de um Brasil "diverso e denso" que não estão nas manchetes dos jornais nem são contadas nos livros.

Neta de um caixeiro-viajante, Sylvia diz ter "rodinhas nos pés", assim como a mãe batalhadora e destemida, que deu uma volta ao mundo com alguns tostões no bolso ao ganhar um prêmio como funcionária da companhia aérea Pan Am do Brasil.

Desde menina, suas rotas foram marcadas pela diversidade. As férias na comunidade rural mineira de Macuco de Muriaé, onde vivenciava as tradições no terreiro de café, compunham um cenário bem diferente do conhecido pelos colegas da escola de classe abastada que cursou em São Paulo.

"Já muito cedo, tinha noção de que existiam realidades sociais e culturais diferentes", afirma a empreendedora, que cresceu observando a vida dura dos primos do interior e ficava incomodada com os meninos nos semáforos da cidade.

Exímia contadora de "causos", a historiadora desfia em tom de anedota algumas de suas passagens da infância à vida adulta.

É nesse clima bem-humorado que narra a experiência num acampamento em Cuba aos 13 anos --uma espécie de "educação comunista injetada na veia".

Entre rodas de conversa travadas com russos e cubanos, ela foi sorteada para ouvir o discurso do ex-dirigente cubano Fidel Castro.

"Era o ano da queda do bloco comunista, todo mundo estava lá para ouvi-lo. Eu não sabia nada do que estava acontecendo", diverte-se, ao lembrar a experiência.

Ao participar de outros programas internacionais de intercâmbio na adolescência, visitou um campo de concentração na Alemanha.

O impacto deixado por tal vivência a fez marcar um "x" em história na hora de prestar o vestibular.

Na Universidade de São Paulo, no entanto, a estudante se incomodava com o excesso de discurso e a falta de ação dos colegas.

"De que adiantava ler Marx e não fazer nada ao ver os meninos pedindo dinheiro no campus?", questiona a historiadora, que, desde a escola, se engajava como voluntária em programas sociais.

Para Sylvia, a melhor universidade era mesmo o mundo, e a educação tinha que ser vivencial.

PELO MUNDO

Integrou, então, um programa universitário num navio, em que cruzou os mares em quatro meses, do Canadá a Macau, na China.

A passagem pela Turquia coincidiu com um terremoto que arrasou o país. O espírito mobilizador da sempre candidata a ser a "representante de classe" a levou a organizar no navio uma coleta de roupas para os afetados pela catástrofe.

Desembarcou no Brasil disposta a percorrer trilhas que desembocassem num país pouco conhecido --dos sem-terra, dos garimpeiros, das comunidades que se formam à beira da estrada.

Em parceria com duas amigas, Laís Fleury e Maria Teresa Meinberg, a Fofa, deu vida à Expedição Vaga Lume.

Durante a incursão de dez meses pela região amazônica a bordo de embarcações que também levavam tartarugas, aviões da FAB (Força Aérea Brasileira), caçambas de caminhão ou de um Fusca 82, o trio carregou bibliotecas cheias de histórias.

Mas eram os muitos enredos do Brasil da oralidade que abasteciam os motores da expedicionária, que encontrou personagens como dona Sinfurosa, "filha" do deus Macunaima (sem acento mesmo), lá da Boca da Mata, em Roraima, ou de "seu" Carlito, soldado da borracha em Rondônia.

Em toda parada, ainda hoje, Sylvia conta que sempre procura um desses "professores de história" do Brasil profundo para conversar. Sorriso aberto, senta ao lado de quem for e fica só escutando as sagas da vida real. É uma verdadeira desbravadora de histórias.


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