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Tudo sobre a ditadura militar

A formação da ditadura

Pressões da direita militar e combate à luta armada foram pretextos para endurecer regime e criar máquina de repressão

DO EDITOR DE "PODER" DE SÃO PAULO

Os militares chegaram ao poder sem saber direito o que fazer. Alcançado o objetivo principal, que era afastar Jango, a prioridade passou a ser expurgar das instituições comunistas e outros adversários.

Nas duas primeiras semanas depois do golpe, a junta liderada pelo general Arthur da Costa e Silva (Comando Supremo da Revolução), cassou os mandatos de 40 membros do Congresso e transferiu 146 militares para a reserva. Outras 87 pessoas tiveram direitos políticos suspensos, incluindo Jango e o líder comunista Luís Carlos Prestes.

O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, foi deposto por tropas do Exército. Milhares de pessoas foram presas em todo o país. No Recife, um veterano militante comunista, Gregório Bezerra, foi amarrado pelo pescoço, espancado em praça pública e arrastado pelas ruas.

Castello Branco, o oficial moderado que se juntara aos conspiradores semanas antes do golpe e tinha grande prestígio dentro e fora dos quartéis, se impôs como favorito para liderar o novo governo. Ele era visto como uma opção confiável, que garantiria uma rápida devolução do poder aos civis.

Castello foi eleito no Congresso com o apoio das principais lideranças que haviam sobrevivido à primeira onda de cassações, incluindo o ex-presidente Juscelino Kubitschek, senador pelo PSD.

Para Castello, a legitimidade do novo regime dependia da manutenção de uma fachada democrática, mas os quartéis cobravam que ele fosse mais duro.

Nas eleições estaduais de 1965, os candidatos do governo foram derrotados na Guanabara e em Minas, aumentando a pressão e levando Castello a promover uma guinada. Com o AI-2, o general extinguiu os 13 partidos políticos existentes, cancelou eleições diretas para presidente e abriu nova temporada de perseguições.

Ergueu ainda pilares que sustentaram a feição mais autoritária do regime nos anos seguintes, fazendo o Congresso aprovar uma nova Constituição, a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional.

A linha dura conseguiu impor Costa e Silva, ministro da Guerra de Castello, como sucessor do presidente.

Em 1968, os brasileiros foram às ruas para manifestar repúdio aos militares. Estudantes, operários em greve e intelectuais criticavam publicamente o governo.

Em 26 de junho daquele ano, guerrilheiros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) lançaram uma camionete com 50 kg de dinamite contra o quartel-general do 2º Exército, em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos, inflamando os militares e aumentando as pressões para que Costa e Silva endurecesse.

Faltava um pretexto, e ele apareceu em setembro, quando o deputado Márcio Moreira Alves fez um discurso na Câmara sugerindo que os brasileiros boicotassem os desfiles de 7 de Setembro.

Em resposta, o regime editou o AI-5, o mais drástico instrumento de exceção adotado pelo regime. Além de restabelecer os poderes que o governo desejava para cassar e suspender direitos políticos, o AI-5 suspendeu a garantia do habeas corpus, que impedia opositores presos de recorrer à liberdade na Justiça. Costa e Silva fechou o Congresso por prazo indeterminado.

O AI-5 vigorou por uma década e inaugurou a fase mais repressiva da ditadura, em que pelo menos 300 militantes de esquerda foram mortos pela repressão e mais de 1.700 pessoas foram punidas por decreto. Nos primeiros dois anos de vigência, houve denúncias de mais de 2.200 casos de tortura.

A esquerda começou a se preparar para enfrentar a ditadura com armas antes mesmo de o regime endurecer. Militantes da Ação Popular foram a Cuba fazer treinamento militar pouco depois do golpe. O primeiros guerrilheiros do PC do B chegaram à região do Araguaia em 1966. A ALN (Ação Libertadora Nacional) de Carlos Marighella enviou em 1967 uma turma para treinar em Cuba.

A maioria dos grupos limitou-se a realizar ações de impacto reduzido, como assaltos a bancos e depósitos de armas.

A ação mais audaciosa veio em setembro de 1969, quando guerrilheiros da ALN e do MR-8 sequestraram o embaixador dos EUA no Brasil, Charles Elbrick, e exigiram que o governo soltasse 15 presos políticos em troca de sua libertação. Conseguiram tudo que queriam, mas o sequestro também deu aos militares o pretexto para reorganizar seu aparato e dar início à fase repressiva mais feroz.

Foi a fase de atuação da Oban (Operação Bandeirante) --núcleo do Exército contra a luta armada com apoio financeiro de empresários--, do Codi (Centro de Operações de Defesa Interna) e dos DOI (Destacamentos de Operações de Informações), unidades militares especializadas em combater a subversão.

Sob Médici, o aparelho repressivo se sofisticou. Sítios clandestinos em São Paulo e no Rio eram usados para interrogatórios e execuções.

As principais organizações da luta armada foram liquidadas em pouco tempo, com seus militantes presos, mortos ou desaparecidos.

MOSCA COM MARTELO

O combate era desigual, como os próprios militares vieram a reconhecer. "Foi a mesma coisa que matar uma mosca com um martelo-pilão", disse o general Adyr Fiúza de Castro, chefe do Codi do Rio nos anos 70.

As ações da esquerda armada também fizeram vítimas, mas elas não tiveram nem de longe a dimensão que os assassinatos e a tortura praticada nos porões.

Nos 21 anos da ditadura, houve períodos mais e menos repressivos. Mas uma característica comum a todos foi a tolerância com aqueles que empunhavam o martelo-pilão. Em 1964, Castello Branco mandou o chefe de seu gabinete militar, Ernesto Geisel, investigar as primeiras denúncias de tortura. Ele rodou o país e constatou que a prática existia, mas ninguém foi punido pelo governo.

Em 1974, quando se preparava para assumir a Presidência, Geisel disse a um de seus futuros ministros, numa conversa gravada na época e revelada três décadas depois pelo jornalista Elio Gaspari: "Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser".


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