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Tudo sobre a ditadura militar
Da euforia à bancarrota
Sob o comando dos militares, país reorganizou a economia e cresceu, mas o preço veio no fim do regime, com inflação e dívida
Nos 21 anos em que os militares governaram o país, a economia brasileira cresceu num ritmo quase três vezes maior do que o alcançado nas primeiras duas décadas após a volta da democracia.
No período de mais forte expansão, entre 1967 e 1973, o PIB (Produto Interno Bruto) se expandiu a 10,2% ao ano. O resultado destoava tanto dos padrões da época que foi batizado de o "milagre brasileiro". O rótulo é hoje rejeitado pelo ministro Antônio Delfim Netto, que chefiou a economia no período:
"Nunca houve milagre. Milagre é efeito sem causa".
Segundo Delfim, os anos de forte crescimento foram consequência principalmente da reorganização da economia ocorrida durante o governo Castello Branco.
Em 1964, a economia estava estagnada, as finanças públicas em frangalhos e a inflação anual se aproximava de 100%. Sob o comando dos economistas Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, foi adotado um plano de austeridade fiscal.
A adoção da correção monetária permitiu que o governo passasse a emitir títulos públicos para se financiar. O arrocho salarial contribuiu para o controle de preços.
As medidas ajudaram a eliminar os desequilíbrios, mas faltava crescer, e os militares tinham pressa.
O controle do governo sobre a condução da política econômica foi ampliado após a posse de Costa e Silva e a ida de Delfim para o governo.
Além de manter o arrocho salarial, o governo passou a controlar os preços. Agências como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) passaram a oferecer crédito barato para financiar os investimentos privados.
Com a economia interna em ordem e um contexto internacional favorável, os resultados apareceram logo.
Em 1964, um brasileiro ganhava o equivalente a 17% da renda de um americano, pelo índice que torna comparável o poder de compra. Em 1978, a renda média do brasileiro era 28% da do americano.
Críticos apontavam o aumento da desigualdade na distribuição da renda. Mas o crescimento sustentava o regime. A paisagem só começou a mudar em 1973, quando os países produtores de petróleo aumentaram seus preços abruptamente.
Em vez de pisar no freio -- como outros importadores de petróleo--, o governo brasileiro dobrou a aposta.
Sob o comando do economista João Paulo dos Reis Velloso, o governo embarcou em um ambicioso plano de investimentos financiado pelo excesso de dinheiro dos países exportadores de petróleo.
O programa aumentou significativamente a presença do Estado na economia. Empresas estatais comandavam a cadeia petroquímica, as usinas siderúrgicas, a produção e a distribuição de energia elétrica, as telecomunicações, estradas e ferrovias.
O general Ernesto Geisel precisava que o plano rendesse frutos para fortalecer sua autoridade num momento delicado. Ele decidira iniciar um projeto de distensão política. O país continuou crescendo por alguns anos, mas a festa acabou em 1979, quando ocorreu um novo choque nos preços do petróleo.
A inflação voltou a subir e a dívida externa do país explodiu. Com a posse de João Baptista Figueiredo, o economista Mário Henrique Simonsen assumiu o Ministério da Fazenda e propôs um pacote de austeridade que sofreu resistência e foi abandonado.
Delfim voltou a dar as cartas e tentou repetir as políticas dos anos do milagre, mas ele e o novo ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, sabiam que era inútil insistir. "Havia uma resistência muito grande, porque o regime militar temia conviver com uma recessão", diz o economista Carlos Langoni, então presidente do Banco Central.
Em 1981, os Estados Unidos subiram os juros, aumentando drasticamente o custo da dívida externa brasileira.
Depois de forte resistência, com a economia já em recessão, o governo teve de bater às portas do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os militares estavam prestes a deixar o poder, e os desequilíbrios criados pelos excessos dos anos anteriores pareciam insuperáveis.
A inflação anual passava de 200% e foi domada apenas uma década após o fim da ditadura. O nível de desenvolvimento retrocedeu. Em 1990, a renda do brasileiro voltara ao patamar de 20% da renda de um americano.