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A minha Copa

Fim da ingenuidade

JOSÉ ROBERTO TORERO

Eram os dias mais perfeitos de todos os tempos. Eu tinha 18 anos, era magro, não havia um fio de cabelo branco em minha cabeça e acabara de entrar na faculdade de letras da USP. Para melhorar, eu tinha uma bela moto azul.

O rádio tocava umas novas bandas interessantes, como Legião Urbana e Titãs. Michael Jackson lançara o álbum

"Thriller" e uma tal de Madonna começava sua carreira.

No cine Roxy, lá em Santos, vi filmes ótimos naquele ano: "Blade Runner", "Tootsie", "E.T.", "Fanny e Alexander", "Ghandi",o curioso "Koyaanisqatsi" e "Missing", de Costa-Gravas. Filmes dos quais gostei tanto que até pensei em fazer cinema um dia.

Mas a cereja do bolo era a seleção brasileira. A melhor que eu já tinha visto. A melhor que eu vi. Um time fantástico, que fazia muitos e belos gols. O tal futebol arte, que para mim era um animal extinto, tinha voltado a andar sobre a Terra.

O Brasil possuía dois laterais perfeitos, Leandro e Junior. Uma zaga com um central seguro e um quarto zagueiro clássico, Oscar e Luizinho. O centroavante era Serginho Chulapa e na esquerda havia Éder com suas bombas indefensáveis. Mas o melhor era o meio: Falcão, Cerezo, Zico e Sócrates. Quase um verso alexandrino.

Era ou não era para sonhar?

Veio a Copa e as três primeiras partidas foram três espetáculos. Primeiro, uma bela virada em cima da poderosa URSS, graças a um Exocet de Éder (para saber, ou lembrar, o que eram URSS e Exocet, consulte o Google). Depois, duas goleadas: 4 a 1 sobre a Escócia e 4 a 0 na Nova Zelândia. Cada vitória virava um carnaval na praça Independência.

Na segunda fase começamos enfrentando os argentinos. Eles eram os campeões mundiais e tinham grandes jogadores, como o goleiro Fillol, o zagueiro Passarela, os atacantes Kempes e Ramon Díaz, o meio-campista Ardiles e ele, Maradona. Mas a Argentina não deu nem para o cheiro. O Brasil dominou e ganhou com folga: 3 a 1. Como a Itália havia vencido a Argentina por 2 a 1, fomos para o jogo seguinte precisando de um reles empate.

Então aconteceu o que você já sabe. Paolo Rossi marcou e nós empatamos, Paolo Rossi marcou e nós empatamos, Paolo Rossi marcou e...

Eu tinha certeza de que o gol iria sair. O mundo era um lugar criado para que eu fosse feliz. As músicas, os filmes, as belas moças da faculdade e minha moto azul eram a prova disso. Era apenas uma questão de tempo. Só que o gol não saiu.

Assim que acabou o jogo, fui andar pela minha rua. Não havia ninguém. Caminhei até a praia. Ela também estava deserta. E caía um chuvisco triste.

Ali, naquele instante, pisando nas areias cinzentas de Santos, descobri que não havia uma ordem divina, que não havia um propósito na existência.

O mundo era um lugar cruel e injusto. Tudo era acaso e caos. Nenhum Roteirista Supremo escrevia as páginas da vida para que as histórias acabassem da maneira mais justa e feliz.

A Copa de 1982 foi o fim da minha ingenuidade.


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