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Treino de subsistência

Atletas do taekwondo improvisam com marmita e bico de garçom após São Caetano atrasar pagamentos

PAULO ROBERTO CONDE DE SÃO PAULO

O taekwondo, arte marcial sul-coreana que virou esporte olímpico em 2000, requer flexibilidade, velocidade e explosão. Maicon de Andrade, 21, mineiro, caçula de oito irmãos, tem tudo isso. Mas, recentemente, teve de usar suas habilidades em outra ocupação.

Por quatro meses, ele foi garçom em um buffet infantil para compensar o período em que ficou sem receber a remuneração (R$ 1.000) da Prefeitura de São Caetano.

O emprego não foi opção. Foi desespero. Maicon, número 1 do país na categoria acima de 87 kg, teve de adotar a jornada dupla. Treinava três vezes ao dia e só deixava o batente e a bandeja depois de 0h30.

O valor que recebia para servir clientes não cobria todo seu deficit, mas o ajudava a se manter e a mandar dinheiro para a mãe, Vitória, que vive no interior mineiro e se recupera de um câncer no seio.

"Um país que vai sediar a Olimpíada [de 2016, no Rio] não pode ser assim. No tempo em que trabalhei, poderia ter treinado mais", afirmou.

Maicon personifica a penúria pela qual passou, entre outubro e fevereiro, a equipe de taekwondo de São Caetano, a que mais representantes tem na seleção brasileira.

Nesse período, mais de mil atletas de 21 modalidades patrocinadas pela cidade não receberam ajuda de custo.

O total retido pela prefeitura chegou a R$ 2 milhões.

A situação gerou no dia 20 uma passeata de atletas, treinadores e pais, que culminou na queda do secretário de Esportes, Eder Xavier (PC do B).

Os repasses atrasados foram quitados na última semana, o que não evitou que a equipe passasse por maus bocados e quase fosse extinta.

Alguns atletas correram risco até de ser despejados dos apartamentos onde vivem. "Recebi duas notificações de despejo, mas não tinha de onde tirar dinheiro. Era torcer para que desse tempo de saldar a dívida", relatou o coordenador da equipe de taekwondo, Marcelo Todaro.

Segundo ele, o projeto tem um orçamento mensal de R$ 40 mil, que é dividido para pagar o alto rendimento.

IMPROVISO

Por muitos dias, a única alimentação dos lutadores era uma marmita.

"Todos os atletas ganham da prefeitura um cartão de vale-refeição, e é possível retirar marmita em alguns estabelecimentos. Deus que me perdoe, mas era fogo comer a mesma coisa todos os dias", recordou-se Maicon.

As agruras também se refletiram na manutenção do alto nível do grupo. Disputar a seletiva nacional, que ocorreu há 15 dias em Vitória, no Espírito Santo, foi muito mais difícil que desferir os chutes característicos do esporte.

Sem dinheiro, a delegação teve de recorrer a rifas de eletrônicos e crediários para comprar passagens e reservar hotel. "Não tínhamos verba nem para pagar as taxas de inscrição dos atletas, que eram de R$ 130 cada", disse o técnico Clayton dos Santos, 32.

"Para comprar a passagem, fomos a uma agência de turismo e pedimos para parcelar o máximo possível."

Segundo Santos, alguns atletas da equipe têm a Bolsa Atleta, "mas como ela também estava atrasada, de nada adiantava". O benefício, pago pelo governo federal, teve atraso de três meses.

Em Vitória, o objetivo passou a ser se manter na capital capixaba. "Tínhamos apenas o café da manhã do hotel. Depois, ficávamos à base de bolachas", conta Todaro.

Mesmo com as dificuldades, seis atletas obtiveram vaga na seleção --cinco como titulares e um na reserva. Entre eles estava Maicon, que fez jornada como garçom.

A CBTKD (Confederação Brasileira de Taekwondo) tem previsão de receber até R$ 1,7 milhão da Lei Piva em 2014.


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