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Fábio Seixas
O herói impossível
Enredo que fez de Senna um mito dificilmente vai ser replicado por alguém
Senna tinha tudo o que se poderia querer num herói.
Para o consumo externo: era brasileiro, e ainda que o país já tivesse história na F-1, pilotos daqui eram sempre vistos pela Europa como exóticos, vencedores pelo simples fato de terem chegado lá.
Para o consumo interno: era o único brasileiro a ganhar alguma coisa naqueles meados e fins de anos 80, início dos 90. A seleção enfileirava fiascos, o vôlei era incipiente, a inflação galopava, os planos econômicos se sucediam, as Diretas fracassaram, o complexo de vira-latas atingia níveis estratosféricos.
Era atlético, numa época em que vários pilotos fumavam e tantos outros eram barrigudos. Era bonito perto de Piquet, Mansell e Prost.
Aliás, era o mais jovem da turma, o que sempre desperta simpatia.
Falava bem, e sua entrevista ao "Roda Viva", reprisada na semana passada, faz muitos esportistas de hoje assemelharem-se a zumbis lobotomizados por assessores de imprensa.
Tinha noção do valor de manter uma boa imagem.
Numa era pré-internet e em que ligações internacionais eram luxo, telefonava para as Redações dos jornais após cada etapa na F-3 inglesa para relatar o resultado e dar suas impressões.
Quando na F-1, fazia o bom moço, ainda que não o fosse por completo --nenhum campeão o é. Via Deus na curva, falava na importância de perseguir os sonhos, virou personagem de história em quadrinhos.
E namorou a Xuxa! Quer mais?
No cockpit, tinha um talento natural, dos maiores que a F-1 já viu.
Imagine um piloto estrear por uma equipe pequena e, na sexta corrida, num circuito traiçoeiro como Mônaco, debaixo de chuva torrencial, chegar em segundo lugar.
Imagine chegar à McLaren, ao lado de um bicampeão mundial, e logo no primeiro ano conquistar o título.
Imagine vencer pela primeira vez na F-1, com um carro inferior e pista molhada, no mesmo dia da morte da então grande esperança nacional --Tancredo Neves.
Ou um piloto amargar fracassos em casa, mas um dia vencer diante de seu público contornando as últimas voltas com apenas uma marcha e sair do carro debilitado, amparado por médicos.
Ou largar em quarto numa corrida, cair para quinto, fechar a primeira volta na liderança e vencer com 1min23s (!!) de vantagem.
Era um obcecado pelo sucesso. E possuía as ferramentas, todas elas, para obtê-lo.
Pois este personagem morreu ao vivo, diante de olhos incrédulos do mundo todo. Alguma coisa tinha que estar errada. Heróis não morrem, afinal.
O enredo que transformou Senna em mito dificilmente será repetido.
É único. Deve continuar assim, por mais 20, 40, 60 anos. Mais. Mais.
Mais que o herói possível. Senna foi impossível.