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Antonio Prata

estranhos no ninho

Véspera

Amanhã, lembrem-se que vocês só chegaram aí porque gostavam, mais do que tudo, de jogar futebol

Véspera me remete a vespa, espera, áspero. É dessas palavras que vestem o significado como uma luva. Luva, aliás, é outra delas: você diz l-u-v-a e quase dá pra sentir os dedos deslizando pelos orifícios. Já orifício, convenhamos, não tem nada a ver com buraco. Parece mais uma ferramenta de ourives, um burocrata da época do império, um ato de extrema covardia --"contra os inimigos, era capaz dos piores orifícios".

Bobagem. Covarde sou eu, aqui, tentando fugir do tema desta crônica enfiando a cabeça no primeiro orifício que aparece, como um avestruz: o tema é a véspera, essas vinte e quatro horas que nos picam feito vespas, até que um apito dê início à Copa e fim à nossa áspera espera.

Fujo porque estou nervoso e ficar nervoso é o que se faz às vésperas: de jogo, de trabalho novo, de primeiro encontro. Anda-se em círculos, roem-se as unhas, imaginam-se dilúvios, panes, brancos e demais desastres; então, bate-se na madeira e tenta-se pensar em outros assuntos.

Penso na uva, por exemplo, no ovo, no hipopótamo: há na natureza uma fruta com mais cara de uva do que a própria? Algo mais oval do que o ovo? Bicho mais hipopótico do que o hipopótamo? Não, não há --e essa ideia me reconforta por uns segundos, como um chutão afastando a bola da nossa zaga.

Não, não, a imagem tá errada, pensar em uvas, ovos e hipopótamos não é dar chutão, é trocar passes na defesa: Thiago Silva, David Luiz, Daniel Alves... Luva, orifício, uva...

Ouço vaias da torcida? Tá certo. Futebol se joga é pra frente. Se o Paulinho e o Oscar que trago dentro de mim, nervosos, não estão dando conta de levar o texto da nossa zaga até a meta adversária, o jeito é tentar um lançamento em profundidade. E quem mais profundo, entre os titulares da minha estante, do que o dicionário etimológico? "Véspera", ele me diz, vem do latim, "Vésper", o planeta Venus, primeiro corpo celeste a brilhar no fim da tarde, também conhecido como Estrela D'Alva --aquela que "no céu desponta", deixando a lua "tonta com tamanho esplendor".

Vejam só como, num único lance, o jogo pode mudar do buraco do avestruz para a abóboda celeste, do frio na barriga para a deusa do amor e da beleza. Bastou não nos intimidarmos, não permitirmos que o medo de perder fosse maior do que o desejo de ganhar.

Amanhã, quando soar o apito, lembrem-se que vocês só chegaram aí porque gostavam, mais do que tudo, de jogar futebol. Joguem com vontade: então suas estrelas despontarão no gramado e deixarão os holofotes tontos "com tamanho esplendor". Opa, acho que me empolguei. Dane-se, agora é tarde, agora é Copa! E as pastorinhas? "E as pastorinhas/ pra consolo da lua/ Vão cantando na rua, lindos versos de amor", pom, pom, pom, póóóm.


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