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Opinião

Ri alto quando se falou em direitos humanos

Torci moderadamente e me arrepiei na hora do hino, mas algo em mim morreu da última Copa do Mundo para cá

VANESSA BARBARA COLUNISTA DA FOLHA

Hoje, pela primeira vez em seis meses, deixei meus amigos na rua e fui ao estádio.

Pela primeira vez, abri mão de cobrir protestos contra o gasto excessivo de dinheiro público num evento privado, contra as remoções violentas, a repressão, os desmandos da Fifa, e fui sem meu capacete para o lado de lá --o lado de quem não apanha, o de quem tem sempre passagem livre e mais direitos do que estou acostumada a ver.

Torci moderadamente, me arrepiei na hora do hino e pedi pênalti quando alguém caiu um pouco longe da área, quase na marca central do campo. Posso ter questionado, em voz alta, a reputação ilibada do árbitro, e até envolvido a senhora mãe dele em alguma atividade de cunho duvidoso na área do entretenimento íntimo.

Mas não houve jeito: algo em mim morreu da última Copa pra cá. Talvez porque, há sete anos, tenham nos prometido um evento "sem um centavo de dinheiro público", e hoje o resultado é 85% do orçamento saído do erário.

Talvez por causa da isenção de impostos oferecida cordialmente pelo governo à Fifa, que afinal é uma entidade sem fins lucrativos, quase filantrópica. Talvez por ter visto a resposta oficial das autoridades a cidadãos que protestavam pacificamente, talvez por haver inalado uma quantidade excessiva de gás lacrimogêneo enquanto exercia o meu direito básico de discordar; enfim, talvez foi por isso que torci hoje com o ânimo de quem está gripado, os ombros caídos, o pensamento lá longe.

De manhã, enquanto eu comia canapés e papeava despreocupadamente com executivos de empresas, 50 dos meus amigos ficaram feridos num protesto que não pôde sequer começar, uma manifestação legítima que se uniu aos metroviários recém-demitidos, com um povo do contra que insiste em sair na rua para apanhar.

Sei que dei uma risada alta e com gosto quando, no início do jogo, falou-se em "um aperto de mão pela paz", e quando três pombas foram soltas em nome da "tolerância e respeito aos direitos humanos". As aves alçaram voo, mas ficaram se debatendo nas paredes do estádio e dentro dos camarotes, procurando saída, a um só tempo desesperadas e cegas.

Temi pelo destino e pela integridade física daquelas três pombas, porque todos nós sabemos o tratamento dado a quem se desvia da rota ou não está nos planos oficiais.

Felizmente, desta vez a artilharia antiterrorista não precisou ser acionada.


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