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Antonio Prata

ESTRANHOS NO NINHO

Geopolítica

Quando o Cristiano Ronaldo entrou emperiquitado, lembrei do Lalas e gritei: Yes, we can!

Existem duas Copas paralelas: aquela em que o Brasil joga --e você sofre, grita, esperneia-- e aquela em que as outras seleções jogam --e você pode se dar ao luxo de assistir tranquilamente do seu sofá, encantado com as belezas e surpresas do esporte bretão. O único problema dessa segunda modalidade de fruição desportiva é que nem sempre é fácil escolher o time para o qual torcer.

Tendo sido criado por um torcedor fiel do Linense, com moderadas convicções de esquerda, cresci acreditando que uma das graças do futebol é ver o mais fraco vencer. Chile e Espanha, portanto, foi bico: colonizados contra colonizadores, atuais campeões do mundo contra um time que jamais ganhou uma Copa. Até fui a um restaurante chileno, gritei "Chi-chi-chi-le-le-le" e fiquei com os olhos marejados na hora do hino.

Diante de Holanda e Austrália, porém, minha opção preferencial pelos pobres subiu no telhado. Como não querer ver a máquina que havia metido cinco na Espanha funcionando perfeitamente, de novo? Entre Robben e a retranca, ficaria com a retranca? Tive que me submeter a um rápido tour de force para aceitar meus pendores alaranjados: a Holanda é um país liberal, pensei, os caras esconderam a Anne Frank dos nazistas durante anos, que coisa linda é "A Noite Estrelada", do Van Gogh. Ótimo: mas aos 21 minutos do primeiro tempo, quando Cahill pegou na veia e mandou pro fundo da rede, abandonei imediatamente a laranja mecânica e abracei a esquadra amarela. Que Holanda, que nada! Eles liberam o consumo de maconha, mas não o plantio, incentivando o tráfico em outros países! Entregaram a Anne Frank pros nazistas! O Van Gogh morreu sem orelha e na miséria! Go, Aussies!

Se Holanda e Austrália foi complicado, o que dizer sobre Portugal e Estados Unidos? Em termos estritamente futebolísticos, os EUA eram o lado mais fraco --mas quando, no futebol, pode-se falar em termos estritamente futebolísticos? Antes do jogo, eu pensava: o ludopédio é o último reduto livre da supremacia norte-americana, não podemos perder nossa Gália e deixar que também aí eles sejam os melhores. Mas então entrou o Cristiano Ronaldo com aquele ar de fuinha emperiquitada, vi os jogadores americanos nervosos e empolgados, lembrei do grunge Lalas, em 1994, e, quando dei por mim, já estava de pé, diante da TV, gritando Yes, we can!

Hoje, em Honduras X Suíça e Equador X França, fecho com os latino-americanos, claro. Nigéria X Argentina também é fácil: sou Nigéria, desde criancinha. Difícil vai ser saber o que fazer com Bósnia e Irã. Emir Kusturica ou Abbas Kiarostami? Os persas ou as loiras? E os genocídios? E os aiatolás? É possível ignorá-los? Realmente, não sei: numa Copa, é complexa a geopolítica do coração.


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