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Minha História

CUBA LIBRE

Rolando Jurquin, 25, ficou dois anos sem jogar porque trocou Cuba pela Grécia, onde passou por dificuldades antes de mudar-se para o Brasil, ver nascer seu filho e destacar-se na Superliga de vôlei

(...) Depoimento a

MARCEL MERGUIZO ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

RESUMO

Na última rodada da Superliga antes do Carnaval, o ponteiro Rolando Jurquin saiu do banco para a vitória do Campinas sobre o Vôlei Futuro e foi eleito o melhor em quadra.

Era a atuação que o cubano esperava, sem pressa, afinal, diz ele, já são "25 anos bem duros" de vida. Revelação da seleção, decidiu deixar o país para ir para a Europa. A decisão o obrigou a ficar parado por dois anos antes de sair. Sofreu mais dois na Grécia até se mudar para o Brasil há cinco meses.

Hoje, ainda sofre, mas com o choro do filho, Rolando Sthepano, que completou um mês no dia 6.

-

Deixei minha mãe aos 12 anos para ir a uma escola de instrução de esportes, em Cuba. Lá, depende de você. É o jeito de ir embora de casa.

Passei por natação, beisebol -tem isso no Brasil?- lutas, boxe, judô, até o vôlei.

Nasci em Santiago de Cuba, a quase mil quilômetros de Havana. E na escola morei com outros esportistas até os 14 anos. Depois me escolheram em Havana, e lá fiquei por oito anos. Dois anos com os juvenis e já fui para o time principal. Mas machuquei o tornozelo e não fui ao Mundial de 2005, aos 17 anos.

Estudávamos dois dias por semana, depois passou a ser somente aos sábados. E treinávamos todos os dias duas horas e meia pela manhã e duas horas e meia à tarde.

Quando você é da equipe nacional, ganha oito dólares [cerca de R$ 16] por mês. Se está entre os 12 [titulares mais reservas], são dez dólares. Se é campeão olímpico, são 300 dólares por mês. Se dizem que [o pagamento] é dia 5, pode ser dia 20, 25 ou outro mês.

Mas, para mim, tinha onde dormir, onde comer, e era quase sempre muito bom.

Meu pai fugiu para os Estados Unidos quando eu tinha cinco anos. Ele ficou dois anos refugiado em uma igreja e, hoje, trabalha dirigindo caminhão, em Nova Jersey.

CUBA

A primeira vez que vim ao Brasil foi no Pan do Rio, em 2007 [foi bronze]. Depois ainda joguei por Cuba até 2008. Era para jogar a Olimpíada... [silêncio]. Mas aquele último jogo contra a Alemanha [pré-olímpico mundial]. Estava 2 a 0. O último set por um ponto. Até agora não sei como perdemos. Todo mundo estava chorando. Era um ponto. [Cuba perdeu a classificação olímpica para a Alemanha por 3 sets a 2: 24/26, 21/25, 25/21, 25/18 e 15/13].

Imagine, cara... [suspira] Com 20 anos em uma Olimpíada? [suspira] É muito grande. Em Pequim. Estava todo mundo. Eu vi que Kobe Bryant ia, Rafael Nadal ia. Éramos uma geração boa! Passei os três piores dias da minha vida. Não sabia se comia ou não, se tomava banho ou não. Não sabia o que fazer. Mas foi na Liga Mundial que decidi sair de Cuba.

Já estava com muitos problemas lá, e decidi ir embora, deixar meu país e fazer minha vida. Mas, em Cuba, para fazer isso você precisa ficar dois anos sem jogar. É lei.

Voltei para minha mãe, em Santiago. Era praia, festa, praia [risos]. Jogava um dia ou outro com amigo, na praia. Ajudei a construir umas casas. E trabalhei seis meses como treinador de uma equipe feminina, de 17 e 18 anos. De graça. Melhor do que não fazer nada. Foi bom ver o ponto de vista do treinador.

Minha vida foi assim, 25 anos bem duros, mas esses dois aí não foram nada fáceis.

EUROPA

Fiquei em Cuba um ano e nove meses, depois fui treinar na Itália. Várias equipes me queriam, mas quem pagou foi o Olympiacos. Então fui jogar na Grécia.

Não falei para ninguém que ia deixar Cuba. Da minha geração, ninguém mais está jogando lá. Saiu um por ano, e eu saí em 2009. Em 2010 e 2011 joguei na Grécia.

Antes, na Itália, treinei e ganhei dinheiro. Europa não é Cuba. Lá pagavam, não davam muito dinheiro, mas eu mandava para minha mãe. Em um mês ganhei o que em Cuba demorei cinco anos.

Fui para Grécia: o país é uma nova Cuba. E meu "manager" ainda pegou meu dinheiro. Tem "manager" bom lá, mas é máfia. Fiquei três meses sem dinheiro na Grécia. Ligava para ele e falava: "Estou aqui sem dinheiro, tenho 20 euros para três semanas". Em um ano peguei oito ou dez mil euros [quase R$ 26 mil]. O contrato era seis vezes maior. E o time falava que pagava.

GRÉCIA

No segundo ano fiquei mais esperto: "Se você não me paga, não jogo". A Grécia está em uma situação muito ruim. Mas eu sou cubano [risos]. Fiquei sozinho, mas tinha muitos amigos cubanos. Comia aqui, comia ali, não comia. É assim minha vida. Em Cuba, você aprende muito, tem que viver o dia a dia, hora a hora. Se não, morre.

Do jeito que Cuba está não dá. É melhor ficar longe e fazer a vida. Tenho um filho de nove meses em Santiago [Gerson]. A mãe [Yane] eu namorei quando passei férias lá há quase dois anos. Nos falamos por telefone, pois não tem internet lá.

Deixei Atenas para jogar em Tessalônica [no time Iraklis], onde conheci Zoe. Namoramos, moramos juntos e temos um filho agora.

BRASIL

O melhor país para viver é Cuba. Com dinheiro, você vive como um rei. Mas onde ganha dinheiro? Fora. Hoje está melhor, posso ir quando quiser, mas vou só nas férias.

A Europa está mal, muita gente indo embora. O Brasil é caro, mas bom para jogar. Tinha proposta da Europa, mas escolhi Campinas.

Ainda tenho muitos problemas. Mas são meus. Estou sempre rindo, jogando, falando. Não fico pensando que tenho que falar com meu advogado, que tenho meu filho. Quadra é quadra. Se influenciou ou não, não sei. Mas, para mim, agora estou melhor.

O mercado que paga melhor é o da Rússia, depois Turquia, Japão, Coreia e Brasil. [Para e ouve o choro do filho que nasceu em 6 de janeiro]. Ele chora muito, não dá, vou ter que dormir em outro lugar. Não sei como essa coisinha pode fazer tanto barulho.

Essa é minha vida. Simples e dolorosa.


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