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LIBERTADORES
Confissão de corintiano é posta em dúvida
Delegada boliviana e promotor de SP desconfiam que jovem se entregou para proteger adulto
O jovem que diz ter disparado o sinalizador que matou na última quarta o boliviano Kevin Espada, 14, teve ontem sua confissão posta em xeque pela delegada responsável pelo caso na Bolívia e pelo promotor da Infância e da Juventude de Guarulhos.
O adolescente, torcedor do Corinthians e integrante da Gaviões da Fiel, se apresentou na tarde ontem à Vara da Infância e Juventude de Guarulhos, onde prestou depoimento sobre o caso.
Para Abigail Saba, responsável pela investigação em Oruro, onde o torcedor boliviano morreu em jogo entre Corinthians e San José pela Libertadores, a apresentação do corintiano de 17 anos nada muda na Bolívia e ele pode estar servindo de "laranja".
"Ele pode estar sendo usado para salvar um dos 12 [torcedores do Corinthians, acusados de envolvimento na morte] que estão presos na Bolívia", afirmou.
Abigail diz que a apresentação não vale para a Justiça do país. "Enquanto ele não depuser na Bolívia, não vai ser reconhecido", disse ela à Folha, por telefone. A lei brasileira não permite extradição neste caso.
"Tecnicamente é quase impossível que o culpado não esteja entre os 12 detidos. A versão põe em dúvida os procedimentos legais, a idoneidade e o profissionalismo da polícia boliviana", disse Jorge Ustarez, tio e advogado da família de Kevin.
O promotor Gabriel Rodrigues Alves, da Infância e Juventude de Guarulhos, deve pedir imagens e depoimentos para apurar a veracidade da versão do torcedor, que confessou a autoria do disparo em entrevista à Globo.
A investigação correrá sob segredo de Justiça. O jovem é protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por causa da morte de Kevin, a Conmebol decidiu punir o Corinthians, que terá de jogar parte do torneio com portões fechados. Já foram vendidos mais de 82 mil ingressos para as partidas da primeira fase da competição.
O clube aguarda o julgamento de um recurso. Em nota, a Gaviões disse que aguardará a decisão para saber o que fará na quarta contra o Millonarios, no Pacaembu.
DEPOIMENTO
O jovem corintiano chegou às 14h50 na Vara da Infância e Juventude de Guarulhos, no carro do advogado da torcida organizada, Ricardo Cabral.
Ele usava boné, óculos escuros e cobriu o rosto com as mãos. Após 2h30 de depoimento ao promotor, deixou o local sem dar entrevistas.
Pela manhã, Cabral contou que o jovem admitiria à Justiça ser o autor do disparo do sinalizador. Ele disse ainda esperar que a confissão permita que os 12 brasileiros presos na Bolívia respondam ao processo lá em liberdade.
"A comparação da fotografia do menor brasileiro com o vídeo feito pela TV boliviana não deixará a menor dúvida de que ele foi o autor do disparo", disse o advogado. "Não se trata de uma farsa."
Segundo Cabral, a mochila com sinalizadores encontrada pela polícia boliviana no estádio em Oruro pertencia ao adolescente.
"No momento do disparo ele foi hostilizado por torcedores do Corinthians que estavam em volta e abandonou a mochila temendo represálias", argumentou Cabral.
Ainda de acordo com o advogado, o jovem comprou seis sinalizadores por R$ 20 cada na rua 25 de Março, centro da capital paulista, e viajou para Oruro no ônibus da torcida organizada com autorização por escrito dos pais.
Em entrevista à Globo no domingo, o adolescente disse que o disparo foi acidental. "Não protegi ninguém não [ao assumir a culpa]. Só quero assumir meu erro".
Para o coordenador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo), Antonio Carlos Malheiros, só a confissão do menor não encerra o caso. "Trata-se de um adolescente que, de repente, pode assumir a responsabilidade para ele até por proteção a outra pessoa."