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Crítica/Suspense
Thriller retrata manias contemporâneas com mistério e sexualidade
'Dentro da Casa' é destaque da obra de François Ozon
Quem admira os filmes do diretor francês François Ozon aprendeu que, em meio aos muitos trabalhos irregulares de sua abundante filmografia, alguns integram a lista dos memoráveis.
Depois dos medianos "O Refúgio" (2009) e "Potiche - Esposa Troféu" (2010), "Dentro da Casa" divide com "O Tempo que Resta" (2005) um lugar de destaque numa obra que equilibra, como poucas, ambição autoral e comunicabilidade comercial.
Mais uma vez, a família e um personagem de escritor servem para Ozon brincar de subverter expectativas e criar uma trama movida a mistério e sexualidade, de fato iscas para o diretor retratar certas manias contemporâneas.
Enquanto não emplaca um segundo livro, Germain (Fabrice Luchini) se vira como professor num colégio. Nas redações de Claude, aluno incomum, a falta de graça de uma família de classe média ganha contornos do suspense das séries e dos folhetins.
A estrutura "em abismo", da história dentro da história, serve para construir uma trama labiríntica na qual narradores, personagens e situações se espelham.
O artifício, no entanto, não se esgota nesse tipo de prazer conceitual dirigido a um público mais intelectualizado.
Ozon zomba inclusive desse esnobismo exportado pela França, ao transformar o fascínio do escritor-professor pelo texto em motivo de ingenuidade. Muito mais feroz é a ironia com que o filme representa o consumo da vida dos outros, a elevação do banal a espetáculo, a onisciência do "Big Brother".
Do conforto do sofá, acompanhar a intriga alheia pode parecer entretenimento, um lazer sem maiores compromissos.
"Dentro da Casa" mostra que não. Na dinâmica entre o leitor e a história, o voyeur e seu objeto, nós e o filme, algo sempre se transfere, contamina, corrompe, sai do controle. Se não fosse assim, não teria nenhuma graça.