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Crítica romance

Prosa quase musical e cheia de humor traz busca por salvação

Não por acaso, a busca de Maria da Graça resultará na descoberta de novos sentidos: do amor, tão próximo da violação; e da vida, tão aparentada da morte

ALMIR DE FREITAS COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em princípio, o povo português não teria razões para se queixar da sua literatura.

De Luís de Camões (cerca de 1525-1580) a José Saramago (1922-2010), passando pelos escritores naturalistas de fins do século 19, o povo está sempre por ali: bom, justo, brioso, exemplo de força da pátria ou contra as adversidades da vida sempre dura.

O problema é que, quase sempre, esse povo aparece como abstração: herói coletivo ou mera figura retórica, é um personagem sem rosto.

Em "o apocalipse dos trabalhadores", romance de Valter Hugo Mãe lançado agora no Brasil, a história é bem outra.

De cara, vamos ter acesso, inclusive, ao "inconsciente" de Maria da Graça, faxineira -ou "mulher-a-dias", como fica bem no original.

Toda noites ela tem o mesmo sonho: às portas do céu, desvencilhando-se de camelôs que querem lhe empurrar souvenires da vida passada, ela tenta convencer um ranzinza São Pedro de que pode mais -de que pode ser mais que especialista em esfregões e heroísmos genéricos.

JORNADA NADA ÉPICA

O que é esse "mais", Maria da Graça vai descobrindo aos trancos ao longo da prosa quase musical de Valter Hugo Mãe, construída na habitual pontuação mínima e ausência de maiúsculas.

Nessa jornada nada épica ou denuncista, por vezes cheia de humor, ela será acompanhada pela amiga, Quitéria, também faxineira, com quem ganha uns bons euros extras como carpideira, velando mortos desconhecidos. Cada uma a seu modo, encontrará a "inteligência mais secreta de todas".

Para Maria da Graça, a descoberta surgirá, principalmente, na relação com o patrão septuagenário, um "impostor mandão e velho" de quem sofre contínuo abuso, mas com quem aprende que existem, na arte, homens capazes de "impressionar Deus", ideia na medida para seus embates no céu.

REVELAÇÃO

Não é uma ideia simples, claro -como não é o mundo de quem, pobretona, sem filhos e abandonada pelo marido quase sempre ausente, está presa ao "estupor" da vida sem graça na cidade de Bragança.

É nesse confronto de dois polos, da miséria com um anseio difuso de dignidade, que a "mulher-a-dias" terá a sua "revelação" -esta é a palavra que, de volta à origem grega, dá sentido ao "apocalipse" do título.

Não por acaso, a busca de Maria da Graça resultará na descoberta de novos sentidos: do amor, tão próximo da violação; e da vida, tão aparentada da morte.

E assim, ciente das tantas camadas de realidade com que se faz uma vida, a "mulher-a-dias" bem poderia dizer aos ilustres escritores portugueses do passado que, tudo bem, é "mulher que não foge a nada". Boa, justa, briosa. Mas que pode, sim, morrer de amor.

O APOCALIPSE DOS TRABALHADORES
AUTOR Valter Hugo Mãe
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 39,90 (192 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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