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"Não escrevo para me divertir", diz Coetzee
Na segunda vez no país, escritor ressalta "vitalidade da cultura brasileira"
Autor falará em Porto Alegre e em Curitiba e depois vai a Buenos Aires, onde lança coleção como editor
Quando o primeiro romance de J. M. Coetzee, "Terras de Sombras", estava prestes a ser lançado, em 1974, o editor pediu ao escritor que mandasse informações biográficas para a orelha da obra. O autor se recusou. "Sou só um dos 10 mil Coetzees", alegou.
O caráter esquivo deste ex-matemático, que nos anos 1960 trabalhou como programador de computação na IBM (como conta no romance "Juventude", que ganha reedição no Brasil), precede muito à fama literária.
"Não escrevo para me divertir", sintetiza ele à Folha.
Apesar de todas as defesas e reservas do escritor, Coetzee não é, claramente, dos escritores que não deixam suas tocas, como os colegas Thomas Pynchon, americano, e o brasileiro Dalton Trevisan.
De tempos em tempos, sobe a algum palco, sobretudo para leituras públicas de textos seus, como em sua primeira vinda ao Brasil, na Flip de 2007. "Fiquei impressionado pela vitalidade da cultura brasileira, e mais ainda por sua autonomia, por ser pouco conduzida pela cultura da América do Norte", relembra.
Desta vez, além de falar em Porto Alegre e em Curitiba, onde fará a "pré-estreia" de um novo festival literário, o Litercultura (a ser realizado em agosto na cidade), ele esteve em Bogotá, na Colômbia, e vai depois a Buenos Aires.
Na capital argentina, lançará uma coleção onde atua como editor. É a Biblioteca Pessoal Coetzee (editora El Hilo de Ariadna), série de 12 livros de outros autores que influenciaram o sul-africano.
Os títulos ainda não foram anunciados, mas não será surpresa se "Dom Quixote" estiver entre eles.
Já citado com destaque em outras obras do autor, como em "À Espera dos Bárbaros", o clássico de Miguel de Cervantes tem papel importante em "A Infância de Jesus".
É com um exemplar ilustrado de "Dom Quixote" que David, o garoto que protagoniza o romance, aprende a ler, de modo peculiar.
Citando o célebre começo do livro "Em algum lugar de La Mancha...", o garoto conclui, inventando, "num lugar cujo nome não me lembro, vivia um cavalheiro que possuía um pangaré esquelético e um cachorro".
"Ler Dom Quixote' não é uma boa maneira de conhecer a realidade, mas é um ótimo meio de entrar em contato com o lado visionário de cada um", exprime Coetzee.