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Crítica comédia

Montagem asséptica ofusca os paroxismos de Nelson Rodrigues

Adaptação do romance 'O Casamento' sobrevaloriza a farsa em detrimento dos aspectos grotescos da obra

É louvável a adaptação do complexo romance em um sistema cênico simples, MAS A excessiva alegorização reduz personalidades aflitas a caricaturas

MARCIO AQUILES DE SÃO PAULO

A transformação da literatura em teatralidade exige escolhas de forma e conteúdo, responsáveis por moldar a prosa em linguagem cênica.

"O Casamento", adaptação do romance homônimo de Nelson Rodrigues produzida pelas companhias Bendita Trupe e Teatro Promíscuo, perde-se no meio do caminho dessa conversão.

O enredo mostra uma série de conflitos sentimentais às vésperas do casório de Glorinha (Diana Bouth), filha de Sabino (Renato Borghi), informado de que Teófilo (Daniel Alvim), futuro marido da moça, fora flagrado beijando outro homem na boca.

A montagem dirigida por Johana Albuquerque adota o tom farsesco, por meio de uma dramaturgia que privilegia a piada rápida, as gags e a movimentação burlesca dos atores.

Não há regras que impeçam um romance recheado de incestos, estupros, assassinatos, suicídio e traições ser encenado dentro do registro da comédia escrachada, mas a chave semântica predominante do livro não é essa.

O caráter grotesco de uma obra em que o protagonista afirma que só "amara [o pai] no momento das fezes" é incompatível com a assepsia da encenação, onde tudo --desde o figurino até a cenografia-- é muito limpinho diante da sujeira moral exposta.

DRAMA VERSUS COMÉDIA

Com um elenco preparado para atuar dentro dos códigos da jocosidade, as cenas dramáticas mostram-se carentes de uma tessitura psicológica mais profunda.

E não há onde buscar tal densidade, pois os complexos arquétipos do romance são reduzidos a clichês simplistas na encenação.

O elenco mostra muito talento e habilidade nas cenas cômicas, mas não consegue apagar os trejeitos afetados nos períodos em que o matiz pastelão dá lugar aos paroxismos e à perturbação dos atos de violência física e sexual.

O cenário minimalista de André Cortez é eficaz dentro da estrutura do espetáculo.

Composto por véus que dividem o palco, representa bem a fragmentação espaçotemporal dos episódios de acordo com as lembranças dos personagens, embora não traga a sofisticação de suas últimas criações.

O figurino básico de Simone Mina segue os preceitos da montagem que prioriza a comicidade, retratando de maneira didática os tipos representados --o padre, a secretária, o jovem rebelde.

Com iluminação e trilha sonora também discretas, é louvável a adaptação do complexo romance em um sistema cênico simples, que depende do desempenho do elenco.

A excessiva alegorização em busca do efeito cômico, entretanto, reduz personalidades aflitas a caricaturas que não se sustentam ao longo dos 130 minutos de peça.


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