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Brega e chique

Pioneiro do grafite e da arte pop no país, Alex Vallauri ganha agora uma grande mostra no MAM

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Kitsch. Alex Vallauri acreditava no poder do brega e chegou à estética estridente que o consagrou como pioneiro do grafite e da arte pop do país com um foco: extrair do mundo ao redor altas doses de exagero e quebrar tabus usando todas as cores.

"O kitsch é uma atitude. Transcende o meu gosto. É uma postura ingênua diante da estética fria das cidades", escreveu o artista em 1978, nove anos antes de morrer em decorrência da Aids. "Por outro lado, vejo como necessidade acumular suvenires e objetos inúteis."

Na retrospectiva dedicada a Vallauri, que o Museu de Arte Moderna abre hoje em São Paulo, está uma coleção vertiginosa desses suvenires, como estênceis, máscaras e gravuras que traduzem o olhar ácido que lançou sobre a vida contemporânea.

Quando morreu, aos 37 anos, Vallauri já tinha conquistado certa fama, grafitando muros de Nova York e espalhando por São Paulo suas botas de salto alto, araras e telefones. Com isso, virou o que alguns críticos chamam de um "artista do povo".

Mas Vallauri trilhou uma rota indireta para estar próximo do público, primeiro dominando a técnica para depois adotar ícones que sintetizam sua obra, como frangos assados, esqueletos e botas.

MARILYN DE WARHOL

Filho de italianos nascido na Eritreia, então parte da Etiópia ocupada pela Itália, Vallauri se mudou para Buenos Aires, Santos e, por fim, São Paulo. Ele, que se dizia um "afro-italiano, meio portenho, meio brasileiro", teve uma "vida on the road'".

Mas antes de invadir as ruas, estudou gravura em Estocolmo, na que era então a escola mais renomada do gênero. Em Nova York, conheceu Keith Haring, Jean Michel Basquiat e Andy Warhol, no olho do furacão da arte pop.

"Estava achando que a vida era uma luta sem objetivos", escreveu numa carta. "Aí, de repente, vi as Marilyns de Warhol, com seus sorrisos cansados a me olhar."

Warhol, aliás, adorou uma das primeiras versões que Vallauri fez das colunas gregas com frangos ou perus assados, um tema que viria a repetir à exaustão em sua obra.

Era a síntese do que sua prima, Beatriz Rota-Rossi, chamava de "visão cheia de ternura do que se considera a breguice' de um povo" e seu "profundo desprezo pela hipocrisia burguesa" --motor de obras mais políticas, como a boca fechada por alfinete que fez durante a ditadura ou araras em prol das Diretas Já.

"Ele rompeu com a sacralização da arte", diz João Spinelli, curador da mostra no MAM. "Trabalhava com essa estética cafona. Transformou o kitsch de forma erudita."

De fato, se Vallauri soube como ninguém construir uma versão nacional do pop, sua obra está também ancorada na técnica da gravura e numa tradição expressionista que contrasta com a irreverência de tudo o que fez.

Isso fica claro, por exemplo, nas gravuras que estão agora no MAM. Numa delas, Vallauri retratou a cantora Madonna no chão, lambendo o salto de uma mulher, com a mesma dramaticidade e o pendor para a escuridão de um expressionista declarado, como Oswaldo Goeldi.

Freddie Mercury, vocalista do Queen, aparece noutra gravura que exacerba os contrastes entre fundo e figura.

Vallauri constrói aqui uma silhueta forte, mas de virilidade dúbia, como as mulheres que retratou ao longo da carreira, algo entre "femme fatale" e prostituta barata.

É a estética do porto de Santos, com mulheres de "tiaras de strass, bocas pintadas de vermelho vivo, olhos carregados de maquiagem, blusas de malha sintética com estampa de pantera", como descreve sua prima.

RAINHA DO FRANGO

Essa mesma estampa de pantera acabou mais tarde dominando uma de suas obras mais célebres. Depois de participar três vezes da Bienal de São Paulo, Vallauri chegou à edição de 1985 com a grande instalação "Festa na Casa da Rainha do Frango Assado".

Era a sala de uma casa com móveis e eletrodomésticos cobertos de pintas de onça e a imagem da dona dessa casa e seu vestido estampado com coxinhas de frango.

"Essa é a rainha do frango assado, uma mulher de classe média paulistana, cafona, irreverente", descreve Spinelli, que remontou a instalação no MAM. "Era uma coisa dúbia, ao mesmo tempo graciosa e um tanto satírica."


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