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Michel Laub

Fazer 40 anos é

Aceitar que entre os defeitos dos amigos podem estar a burrice e a falta de caráter

-- Tentar não confundir minha decadência com a decadência do mundo.

-- Me aborrecer mais com as pequenas coisas e menos com as graves.

-- Ter uma ideia razoável do que não vai me matar. Todo o resto, incluindo o vasto reino das doenças, é uma possibilidade fascinante.

-- Aceitar que entre os defeitos dos amigos podem estar a burrice e a falta de caráter.

-- Confessar os defeitos confessáveis. Os demais, deixar que os outros descubram.

-- Aprender que é impossível não magoar pessoas queridas, momentaneamente ou para sempre, com ou sem razão.

-- Antecipar duas diversões da velhice: falar sozinho em casa e ser rabugento em público.

-- Entrar num acordo com a inconfiabilidade da memória, incluindo suas manipulações egocêntricas.

-- Entrar num acordo conformado com a própria capacidade de concentração.

-- Beber mais destilados e menos fermentados. Não fumar e não cheirar cocaína. Ser tolerante com o comportamento noturno das pessoas.

-- Comer menos, dormir menos, sair menos de casa para fazer o que não quero.

-- Uma vida toda envenenada por futebol.

-- Viajar sem máquina fotográfica. Conhecer dezenas de países e não ser capaz de dizer nada que preste sobre a maioria deles.

-- Em cidades estranhas, dar um jeito de ir várias vezes ao mesmo restaurante, de preferência um lugar barato, vazio, mediano e próximo ao hotel.

-- Não negar o passado: bandas ruins de que gostava, votos ruins em eleição, coisas ruins que escrevi em livros e na imprensa.

-- Ter um número razoável de parentes e amigos mortos.

-- Ler cada vez mais não ficção. Em ficção, simpatizar com romances longos, difíceis, eventualmente chatos (pode ser uma qualidade).

-- Sentar cedo em frente ao computador. Procrastinar o trabalho até o limite da catatonia.

-- Sem chance de virar "motorista consciente" a esta altura.

-- Não ver novela. Não elogiar publicidade. Não defender políticos.

-- Não fazer crítica fácil a religião, artes plásticas contemporâneas, hipsterismo, Big Brother, ONG ecológica.

-- Não endossar discurso anti-intelectual nem atacar o "mundinho literário" só porque soa bem para quem nem sabe o que é isso.

-- Por outro lado, cultivar a maledicência, uma das maiores bênçãos humanas.

-- Em hipótese alguma, questão de honra mesmo, flertar com a ideia de que sou pouco reconhecido porque minha integridade ofende o universo hipócrita.

-- Por outro lado, não ser ingênuo quanto ao conceito de meritocracia.

-- Para o bem e para o mal, gostar mais de pessoas que de ideias.

-- Sonhar frequentemente com coisas que acabaram há mais de 20 anos: colégio, exército, partidas de tênis, a casa onde cresci.

-- Últimos anos de paciência com indignação profissional, vitimismo, explicações psicanalíticas, pensamento acadêmico, comparações entre Porto Alegre e São Paulo.

-- Não achar que o pessimismo é moralmente superior ao otimismo.

-- Não esquecer que tecnologia é instrumento em 90% dos casos e que dá para se adaptar a ela no que importa.

-- Espionar os outros nas redes sociais.

-- Ser pontual e, portanto, um idiota.

-- Amanhã, 27/4, é meu aniversário. Talvez o ápice da vida seja agora. Ou será em breve. O mais provável é que já tenha sido.

-- Saber da pretensão que é reproduzir voz de sabedoria numa idade dessas.

-- Nunca mais encerrar uma lista fazendo referência à própria lista.

-- Lamentar pelo resto dos tempos não ter aprendido alemão quando criança, ser alérgico a gatos, o fim dos fliperamas Taito, a venda do centroavante Lima em 1988.

-- Ter consciência de que sem mentir um pouco não dá nem para abrir os olhos de manhã.

-- Viver como se houvesse muito mais escolhas do que há.

-- Pensar se vou ou não ter filhos.

-- Seguir comendo carne vermelha.


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