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Estreia de Cadão Volpato em romance trata da distração

"Pessoas que Passam pelos Sonhos" aborda amizade de brasileiro e argentino em uma trama de sutilezas

Autor de quatro livros de contos, jornalista e músico, o paulistano buscou balancear temas pesados com a leveza

RAQUEL COZER COLUNISTA DA FOLHA

Nenhuma distração impediu Cadão Volpato, 56, de seguir o cronograma planejado para a criação de seu primeiro romance. Foi uma média de quatro páginas por dia, durante dois meses e meio, até chegar às quase 320 que compõem "Pessoas que Passam pelos Sonhos".

Mas também é verdade que foram dois meses e meio dedicados à distração. É esse, acima de tudo, o tema do livro do jornalista, músico e escritor paulista, recém-lançado pela Cosac Naify.

A história acompanha dois homens que têm em comum uma colossal falta de atenção: um arquiteto paulistano com nome italiano e cara de sueco, Rivoli, e um taxista argentino com jeitão brasileiro que leva o apelido do mais famoso café portenho, Tortoni.

Eles pegam a estrada rumo a um hotel na Patagônia, onde acabam não ficando muito mais tempo do que passam presos no deserto, com o carro quebrado. Anos depois, já com filhos adultos, terão destinos novamente em comum.

Esse segundo momento pega o auge das ditaduras no Brasil e na Argentina, nos anos 1970, mas que o leitor não espere um texto ideológico do ex-trotskista Volpato.

A política aparece pelas beiradas. Francesco, filho de Tortoni, é enviado pelo pai para a casa do amigo Rivoli, em São Paulo. Envolveu-se com o grupo guerrilheiro Montoneros, e a Argentina não é mais um lugar seguro.

Mas, da estadia de Francesco no Brasil, nada será mais marcante que os imbróglios causados pela beleza de sua namorada (ou não) Gábi na vila onde ficam escondidos.

Essa abordagem da questão política segue um padrão que Volpato imprimiu para si, o de balancear temas pesados com a leveza.

"Admiro escritores que lidam com uma temática pesada, falam de morte, desencanto, e ao mesmo tempo têm uma coisa leve, um humor, uma graça para quebrar as coisas. Mais ou menos como é a vida", diz, citando o mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e o polonês-americano Isaac Bashevis Singer (1902-1991).

Em "Pessoas que Passam pelos Sonhos", a combinação de graça e desencanto também resulta em situações como o primeiro encontro de Rivoli com sua futura mulher, numa noite que termina com ela atropelada (por ele); ou o dia em que Francesco, criança, descobre que nem sempre se pode ganhar.

"Gosto dessa leveza, que não se vê na literatura brasileira mais jovem. O que se vê por aqui é ou um humor exagerado ou uma ausência total de humor", avalia.

CONTOS

Volpato foi criador, em 1984, da cultuada banda Fellini e é autor de quatro livros de contos. A estreia em romance ocorreu a convite do escritor Luiz Ruffato, em 2011.

Na época, Ruffato era curador de literatura contemporânea do braço brasileiro da editora Babel. A empreitada portuguesa naufragou menos de um ano depois, mas o romance conseguiu desembarcar na praia da Cosac Naify.

O planejamento ajudou Volpato a escrever o romance. A cada dia, sentava para escrever um capítulo como se fosse um conto, formato que já conhecia. Embora a história se costure, muitos capítulos funcionam isoladamente.

A distração dos personagens centrais reverbera no modo "meio errático" como os acontecimentos se entrelaçam na trama, acompanhando o ir e vir de outros personagens, essas "pessoas que passam pelos sonhos".

Das sutilezas imaginadas por Volpato, muitas poderão passar despercebidas pelo leitor. O cosmonauta russo que aparece na abertura do romance, por exemplo, só voltará ao longo do texto em menções muito discretas.

Não custa dar uma dica: há uma leitura importante envolvendo um dos dois personagens principais, Tortoni ou Rivoli, e que pode alterar a forma como a história é entendida.


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