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Crítica memórias

Resistente francês relata seus anos sob o cativeiro nazista

Sai no Brasil "A Espécie Humana", publicado por Robert Antelme em 1947

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA

Preso pelos nazistas em 1944, por sua participação na Resistência francesa, Robert Antelme (1917-90) é autor de um dos mais densos e detalhados relatos da experiência nos campos de concentração.

Sem a concisão lapidar e o senso narrativo dos livros de Primo Levi, "A Espécie Humana" é um monumento memorialístico de igual importância, publicado na França em 1947. Sai agora em português, na boa tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto.

Antelme passou a maior parte de seu cativeiro num "kommando" de trabalho chamado Ganderheim, ligado ao campo de concentração de Buchenwald. "Não havia câmara de gás nem crematório", escreve no prefácio.

O objetivo dos nazistas, naquele lugar, não era o extermínio puro e simples, como se fazia com os judeus, mas sim reduzir, pelo trabalho forçado e pela fome, prisioneiros políticos e objetores de consciência de várias nacionalidades ao máximo da desumanização.

Os próprios oficiais da SS mantinham-se à distância: a disciplina e a "ordem" no campo eram garantidas por "kapos" recrutados entre os presos comuns. Desse modo, assassinos, escroques e bandidos se responsabilizavam pela aplicação da lei.

As vítimas desse sistema, desesperadas pela fome, roubavam rodelas de batata umas das outras, para serem em seguida punidas pela "falta de compostura". Brigavam pelo lugar na fila do balde onde aliviar as crises de diarreia. Eram obrigadas, sob porrete, a limpar (mas não lhes davam panos) a sujeira resultante de quem não usara o balde.

Delatores e cúmplices se davam melhor, evidentemente. Exaustos, obcecados pela fome, os melhores não tinham forças nem meios sequer para trocar informações ""que dizer de esboçar algum movimento de revolta.

Conforme vai se aproximando o final da guerra, tudo piora. Vem a ordem de evacuar o campo --os 450 presos do local ver-se-ão forçados a uma caminhada meio a esmo, ao longo da qual os exaustos e os doentes são fuzilados, até embarcarem numa viagem de trem para Dachau.

Durante toda essa experiência, Antelme registra invariavelmente as situações em que a miséria das vítimas despertava não apenas o desprezo mas também o riso dos opressores --e mesmo daqueles que só presenciavam, sem participação direta, tudo o que acontecia.

Inútil: o sonho dos SS, que era o de se colocar como uma "raça superior", como se fosse possível "entrar e sair da espécie humana", é negado pela realidade. Ainda se repete, no pensamento deste autor de esquerda, sempre que alguém diz, dos inferiorizados, "eles não são como nós".


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