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Crítica - Ensaio
Entre ficção e realidade, autor mergulha no imaginário do jazz
RONALDO EVANGELISTA COLABORAÇÃO PARA A FOLHAThelonious Monk entrou em um pequeno motel em Delaware (EUA), pausa na viagem de carro que fazia a caminho de um show, para pedir um copo d'água.
A visão daquele negro enorme e excêntrico, com sua fala enrolada e idiossincrática, assustou o atendente, que acabou por chamar a polícia. Monk terminou sendo preso. Trata-se de uma história clássica do racismo dos anos 1950 cobrando seu preço em músicos de jazz.
Mas havia outra coisa: Monk deu uma fungada no exato momento em que entrou no motel. O atendente, que usava a mesma cueca há três dias, ficou incomodado e na defensiva.
O caso, que aconteceu em 1958, é real e notório. Exceto, é claro, a parte da cueca do atendente. Aliás, nem havia atendente no motel --um dos motivos do imbróglio foi Monk ter entrado direto na cozinha do local ao não encontrar balconista na recepção.
Chet Baker aparece observado pela amante no pós-coito, pensamentos misturados entre suas características como amante e como músico.
Já Bud Powell é interlocutor de uma espécie de diálogo, na verdade monólogo, como que direcionado a ele.
Lester Young, Charles Mingus, Duke Ellington também têm suas aparições.
Lançado originalmente em 1991 e carregado de aspectos atemporais, "Todo Aquele Jazz", de Geoff Dyer, é ensaio ficcional levemente biográfico, ficção ensaística baseada em história documentada, análise musical construída sobre metáforas, cenas de climas poéticos mais reais que o real, floreios imaginativos sem se deixar intimidar pela realidade.
"Baseei-me mais em fotografias do que em fontes escritas", diz o autor.
Mergulho no imaginário do jazz como força máxima de expressão afro-americana, tratando momentos e histórias como músicas ou retratos, gravados e congelados no tempo, expostos a nossas interpretações contemporâneas.
Algo como um "O Perseguidor" se feito por ensaísta inglês ao invés de ficcionista latino. (Dyer não é nenhum Julio Cortázar).