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Crítica Ensaio

Autor recorre a ícone da esquerda para defender que ela se reinvente

PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO

Que um intelectual de esquerda resolva investigar desapaixonadamente o neoliberalismo parece ultrajante. Que esse intelectual seja Michel Foucault, ícone da esquerda radical, é heresia.

Em "A Última Lição de Michel Foucault", Geoffroy de Lagasnerie mostra como Foucault dedicou seus derradeiros anos a tentar entender, sem preconceitos, os fundamentos do execrado neoliberalismo no curso "Nascimento da Biopolítica" (1979).

Foucault tentou desconstruir clichês da esquerda em seus ataques ao neoliberalismo, colocando-se no lugar de autores neoliberais como Friedrich Hayek, Milton Friedman e Gary Becker.

Argumentou que o neoliberalismo não era uma teoria reacionária e que o "mercadismo" tinha um aspecto revolucionário, que queria subverter a ordem existente.

No mercadismo, diz Foucault, "nenhuma autoridade particular é reconhecida. Ela subordina-se à avaliação utilitarista. Não é dotada de valor em si mesma, mas apenas se os seus ganhos forem superiores a seus custos --de maneira que a própria ideia de obediência, de respeito à autoridade, não faz sentido no arcabouço neoliberal".

EMANCIPAÇÃO

Não que Foucault defenda os resultados e alvos do neoliberalismo --como acabar com o estado do bem-estar social. Mas reconhece méritos em uma teoria que questiona o Estado na sua atual forma. Para Lagasnerie, "há alguma coisa de emancipador, de crítico que se elabora e também se instaura através do neoliberalismo".

Isso porque o neoliberalismo conseguiu se emancipar "do pensamento de Estado", "não vai, como os revolucionários e teóricos do iluminismo, pensar em termos de direito, legitimidade, contrato... e sim avaliar a lei do ponto de vista de sua utilidade ou inutilidade".

O autor argumenta que a esquerda se vê em lugar invertido hoje: vê a nossa sociedade e forma de governo como os positivos e o neoliberalismo como a ameaça de destruição dessa civilização.

"Hoje nos vemos confrontados com a necessidade de reinventar a esquerda."

A denúncia ao neoliberalismo embotou a capacidade de raciocínio das esquerdas. Ainda mais agudamente após a crise financeira de 2008, em que o crescimento incontido e não regulado de instrumentos financeiros levou à bancarrota de países e pessoas.

Tornou-se difícil ter uma visão não maniqueísta diante da lógica "comunidade e ação do Estado" para cuidar de distribuição de riqueza e maximização do bem comum versus o "mercado impessoal e frio" concentrando renda.

"É urgente nos livrarmos dessas matrizes analíticas com que normalmente abordamos o neoliberalismo."

Para Lagasnerie, Foucault não "virou a casaca". Mas, ao mergulhar no pensamento liberal, aproveitou para repensar dogmas da esquerda.


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