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Crítica - Romance

Livro de Frei Betto faz ode ao silêncio com narrador tagarela

Erro de estratégia tira coerência de romance sobre homem internado em hospital

LUIZ BRAS ESPECIAL PARA A FOLHA

A estatística é um ramo da matemática generoso com os escritores. É imparcial com os talentosos e também com os medíocres.

Um escritor talentoso, garante a estatística, jamais conseguirá produzir apenas obras-primas.

Do mesmo modo que um escritor medíocre jamais conseguirá escrever apenas banalidades.

Frei Betto é autor de uma obra numerosíssima, traduzida para 24 idiomas. Segundo uma nota biográfica, são 56 títulos publicados, sem contar as participações em coletâneas.

De seu importante currículo constam, por exemplo, as memórias de "Batismo de Sangue", publicadas em 1982.

Esse relato sobre a ditadura militar, os frades dominicanos e as circunstâncias da morte de Carlos Marighella mostra do que a fera é capaz, quando está com as garras afiadas.

Mas o romance "Aldeia do Silêncio", recém-lançado pela editora Rocco, foi vítima da severidade da estatística. Pertence a um fraco momento criativo.

Um único erro de estratégia --a má escolha do foco narrativo-- pôs todo o romance a perder.

SILÊNCIO

Internado num hospital, um homem sem nome relembra a infância e a juventude "no oco do mundo". O antigo conflito natureza-cidade é a matriz de sua melancolia. Ele não aceita a perda do paraíso natural abençoado pela ignorância.

Esse homem tem saudade de sua pré-história, da época mítica em que não sabia ler nem escrever e no mundo só existiam a natureza, seu avô, sua mãe, uma cadela e um urubu.

Alfabetizado por uma voluntária, seu único confessor é um caderno no qual ele escreve sua história. É também nesse caderno que ele filosofa insistentemente.

Mas não contem com pensamentos agrestes. Esperem sacadas poéticas: "Sem desejo somos simples dejetos; nos demitimos da existência, ainda que prossigamos vivos".

Ou zen-budistas: "Descobri que o tudo é o nada, o escuro é o claro, o eu é o outro, o vazio é o pleno, e a dor é o amor".

O tópico mais abordado é o do silêncio. Seu ódio à logorreia do hospital, do rádio, da tevê, é infinito.

COERÊNCIA

"Malditos todos os tagarelas!", "Vomitam palavras por temerem o silêncio", "Prefiro escrever a falar", "Economizar a fala não é avareza, é sabedoria" --ele não se cansa de esbravejar.

Mas esse elogio do silêncio sai da boca de um tagarela, porque o romance é narrado em primeira pessoa.

Mesmo quando o protagonista arredio se recusa a falar com os outros personagens, ele não para de papaguear na cabeça do leitor.

Melhor teria sido um narrador em terceira pessoa. Só assim a devoção desse homem ao silêncio seria amparada pelo tipo de coerência que a ficção pede.


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