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Crítica - Romance

Obra abusa de retrato histórico em prejuízo do estilo literário

'Tudo de Bom Vai Acontecer' restringe-se à denúncia de injustiças sociais

NOEMI JAFFE ESPECIAL PARA A FOLHA

Em meio a poligamia, cenas de estupro coletivo, ablação do clítoris, guerra civil, tortura, censura, racismo, machismo assumido e assentido e miséria econômica e ética, por incrível que pareça, ainda podem existir vidas normais, que vão à faculdade, praticam arte e têm sonhos comuns.

É o caso de Enitan, garota nigeriana, cuja vida é narrada em "Tudo de Bom Vai Acontecer", ao longo de cerca de cerca de 20 anos (de 1971 a 1995), período de muitas mudanças no país, mas, ao mesmo tempo, em que nada parece mudar.

Após a morte de seu irmão mais novo --e uma família sem um filho homem, na Nigéria, cai em desgraça-- Enitan é testemunha da degradação lenta do casamento de seus pais.

Sua mãe se torna adoradora fanática de um culto que mistura cristianismo e bruxaria, e seu pai, um advogado progressista, não é menos machista do que os homens tradicionais.

Ela vai estudar direito na Inglaterra, mas o livro inteiro se passa de volta à Nigéria, onde ela narra seus amores, frustrações, seu trabalho como advogada e sua amizade com Sheri, de hábitos liberais, mas que acaba sofrendo as consequências de suas ousadias.

Paralelamente às histórias individuais, vai se desenvolvendo também um cenário de horror e de luta pelas causas sociais, lembrando o nome já praticamente esquecido de Biafra --tão popular nos anos 70-- em que o genocídio foi semelhante ao da Segunda Guerra Mundial.

Mas, à parte o aprendizado sobre a situação política e histórica da Nigéria durante esses anos e, para nós brasileiros, semelhanças gritantes com o Brasil, o romance não se sustenta como narrativa ficcional.

Na realidade, soa mais como uma espécie de pretexto para denúncia --legítima-- de uma realidade que deve ser combatida permanentemente. Nisso, é certo, o romance funciona.

CARÊNCIA ESTILÍSTICA

Mas a questão é saber até que ponto um livro pode abrir mão de qualidades literárias para impor-se como acusação de injustiças históricas. Não pode.

Muitas vezes, como na última parte do livro, a sensação que se tem é a de que não faria diferença estarmos diante de um livro ou de um programa televisivo que mostrasse a situação do país a partir das vidas de alguns habitantes, tal a rapidez e a falta de preocupação estilística com que os acontecimentos são narrados.

A personalidade de Enitan e suas decisões valem como ensinamento para todas as mulheres que lutam por seus direitos. Mas um romance é mais do que denúncia.


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