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Peça inédita traz lado obscuro de Beckett
'Eleutheria', escrita em 1947, foi engavetada pelo autor irlandês e sua encenação comercial permanece proibida
Sob direção de Isabel Teixeira, montagem da Escola de Arte Dramática evidencia excessos incomuns do autor
Um Samuel Beckett excessivo. E desconhecido. "Eleutheria", peça inédita apresentada no país por alunos da Escola de Arte Dramática (EAD) sob direção de Isabel Teixeira, revela uma faceta obscura do autor irlandês que revolucionou a linguagem teatral do século 20 e morreu em 1989.
Na obra, não há sinal do minimalismo exacerbado que norteia a linguagem beckettiana.
O dramaturgo, romancista e poeta surpreende ao construir uma superprodução composta por 18 personagens, flertando com o vaudeville e o melodrama. Na íntegra, a obra possui três atos e uma duração de mais de três horas, mas a versão apresentada, enxuta, dura 1h50.
"Beckett lutou muito para criar uma linguagem própria. Eleutheria' é um corpo estranho em seu universo", fala Isabel, que encontrou a obra em francês e trabalhou por 14 anos em sua tradução.
A trama gira em torno da decisão do protagonista Victor Krap de se eximir de ser, de agir. "Ele é filho de família pequena burguesa. Poderia fazer faculdade e casar com sua noiva, mas resolve prezar pela liberdade de não fazer nada", explica a diretora.
O conflito já revela a semente do vácuo dramatúrgico que aparece em "Esperando Godot", obra-prima do autor, e determina, de forma geral, suas obras posteriores.
"Eleutheria" (liberdade, em grego) só veio a público quase meio século após sua criação. Escrita em francês em 1947, foi engavetada por Beckett e virou vítima de uma batalha judicial entre os editores franceses e americanos do autor --a encenação em circuito comercial ainda é proibida.
Com a montagem, a EAD repete um feito ocorrido há 58 anos: introduzir um Beckett inédito no país. Em 1955, a universidade montou pela primeira vez no Brasil "Esperando Godot".