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Mauricio Stycer

O triunfo do anti-herói

A ideia de "autoria" ganhou uma dimensão na TV americana que só era conhecida no cinema

Há consenso de que a TV americana vive hoje um dos períodos mais fecundos e originais de sua história. No recém-lançado "Difficult Men" (Penguin Press, US$ 9,70, em edição digital), Brett Martin vai além e classifica a produção dos últimos 15 anos como sinal de uma nova "era de ouro".

Os pontos de referência desta "revolução" ainda em andamento, escreve, são cinco: de "Família Soprano" (1999) a "Breaking Bad" (2008), passando por "A Sete Palmos" (2001), "The Wire" (2002) e "Mad Men" (2007).

Para tentar entender o que levou à criação destes seriados, Martin entrevistou dezenas de pessoas, entre as quais os autores dos programas e os executivos das emissoras que os aprovaram. As conclusões a que chegou interessam de perto a quem consome e a quem produz televisão no Brasil.

"Homens difíceis", o título do livro, é uma referência tanto aos criadores quanto aos personagens que protagonizam estes seriados. A partir do perfil de David Chase, produtor de "Família Soprano", Martin mostra como a ideia de "autoria" ganhou uma dimensão na TV americana que só era conhecida no cinema.

Chase se ocupa do seu seriado como os cineastas que despontaram nos anos 1970 (Coppola, Scorsese, Altman) cuidaram de seus filmes. É um Autor em sentido amplo, com maiúscula, responsável por todas as etapas da produção e com direito a interferir do roteiro à edição final, passando pela escalação do elenco e pela direção.

Martin descreve em minúcias a rotina do "writers' room" destes seriados --o ambiente em que diferentes roteiristas se reúnem para sugerir ideias, tramas e novos personagens para o autor principal do programa, que tem a palavra final e o poder de reescrever o material que recebe.

Do mafioso Tony Soprano ao professor e traficante Walter White, de "Breaking Bad", passando pelo publicitário Don Draper, de "Mad Men", quase todos os protagonistas destas séries estão longe de representar o modelo tradicional de herói.

Ao contrário, como pontua Martin, são personagens que o senso comum diria que "o americano jamais deixaria entrar em sua casa: infelizes, de moral duvidosa, complicados, profundamente humanos". Anti-heróis, em resumo.

Há um terceiro elemento essencial nesta "era de ouro". Martin tenta entender no livro por que alguns canais, a começar pela HBO, decidiram apostar suas fichas em projetos que antes dormiam nas gavetas dos executivos.

Autores ambiciosos, dispostos a provar que o público americano poderia consumir seriados "difíceis", com estrutura narrativa ousada, sem final feliz, protagonizados por anti-heróis, só encontraram espaço porque alguns canais pagos vislumbraram a possibilidade de fixar suas marcas pelo acúmulo de prestígio antes de publicidade e audiência.

O fato de a HBO ser um canal "premium", pelo qual o assinante de um pacote de TV paga precisava desembolsar um adicional, permitiu que seus executivos não levassem em conta as preocupações do mercado publicitário com os "homens difíceis" que apareceram na tela. Assim, a qualidade da TV avançou.

As nove indicações ao Emmy recebidas por "House of Cards", uma produção da Netflix, mostram que um novo capítulo desta saga está sendo escrito (voltarei ao assunto).


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