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Crítica - Romance

Autor egípcio aborda o mítico com inteligência

'O Chamado do Poente', primeira obra de Gamal Ghitany editada no país, é livro que se lê com prazer do início ao fim

MARIO HELIO GOMES ESPECIAL PARA A FOLHA

A riqueza de imaginação é o que bem caracteriza "O Chamado do Poente", do egípcio Gamal Ghitany, que acaba de ser lançado no Brasil.

O romance contém aqueles traços tão associados às mais belas histórias de orientes: o gosto pelo mistério, a exuberância das falas e dos gestos e uma convicção vital que faz de livros assim sobretudo cantos de certezas, com aquele jeito afirmativo e viril das epopeias.

Invoca a viagem, sem se limitar a aventuras ou desventuras. Enverga simbolismos, e não se extrema em alegorias. Aproximá-lo da família de "As Mil e Uma Noites" é provavelmente a associação mais fácil. Graça, erotismo e vigor não faltam.

Aqui também o sentencioso não se separa do lúdico. Talvez porque a linguagem, como os camelos, resiste bem ao árido. Natureza e homem, imanente e transcendente não estão divorciados.

O curioso é que, logo no começo do livro, são mencionados sete irmãos que construíram uma embarcação, e partindo nela, desapareceram.

Qualquer semelhança com "A Terceira Margem do Rio", de João Guimarães Rosa (1908-1967), é tão apressada quanto o singelo aprisionamento de todas as histórias de barcos à Arca de Noé. O há de comum: a grandeza do mítico, trabalhada com inteligência e beleza pelos grandes escritores, e Gamal Ghitany está entre os maiores.

Surpreende que com este livro se inicie sua leitura no Brasil (apesar de haver publicado mais de 30; entre eles, o extraordinário "O Livro das Revelações")?

Não tanto para os que sabem que o país não alcançou ainda a maioridade editorial daqueles onde as grandes vozes não tardam tanto em alcançar "el arduo honor de la tipografia", como diria Borges --cujo sentido da magia não está, aliás, alheio ao mundo em que se situa "O Chamado do Poente".

Publicado antes em tradução portuguesa sob o título de "O Apelo do Poente", este livro é daquele tipo que se lê com prazer do começo ao fim. De onde vem esse prazer?

Primeiro, é claro, da escrita (aqui se louva o trabalho de Safa Jubran). O modo de contar faz toda diferença. Além da magia e do emprego de certas expressões absolutas --bastante irmanadas com outras de livros classificados entre os sagrados, como a Bíblia.

Há uma estátua onde se escreveu uma frase "em todas as línguas faladas", e uma voz que parecia chegar de todas as partes, e todos os vidros e as agulhas do mundo. Há expressões em desuso que servem bem para situar livros que flertam com o atemporal: inspirador, sedutor.

Algo mais se dá com este romance. O "escriba do país do poente" é um consolo do milenar num tempo tão esculpido só no tangível e efêmero.


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