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Ornitorrinco encolhe e encena cabaré
Conhecida por grandes produções, companhia reestreia amanhã em São Paulo musical de 1977 em casa de 44 lugares
Para Cacá Rosset, teatro 'se desprofissionalizou' e, com subsídio, 'a peça termina no coquetel para o patrocinador'
Quem associa o Ornitorrinco àquelas produções cheias de elementos cênicos, plateias com mil lugares e dezenas de atores em cena pode estranhar uma nova fase.
O espetáculo "Ornitorrinco Canta Brecht & Weill" retoma o perfil intimista que pontuou o repertório da companhia no início de sua trajetória. Na Casa de Francisca, amanhã e sábado, Cida Moreira, Cacá Rosset e Antonio Carlos Brunet apresentam números musicais em clima de cabaré. São 44 lugares.
No repertório do espetáculo montado pela primeira vez em 1977 estão "A Balada da Dependência Sexual", "Tango do Cafetão" e outras músicas de peças do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) em parceria com o compositor também alemão Kurt Weill (1900-1950).
A opção por peças pequenas pode esconder um sintoma, no entanto. Cacá diz que "nos últimos 15 anos", o teatro se "desprofissionalizou". "Quando comecei a fazer teatro, eram sete sessões semanais, de quarta a domingo, com duas sessões no sábado e duas no domingo. Hoje, as grandes produções fazem três apresentações. Chegamos a uma equação perversa. Mesmo em casos de sucesso, produções desse tamanho ficam inviáveis economicamente."
Seu próximo projeto seguirá investindo em um formato enxuto. Figura central no Ornitorrinco desde sua fundação, Cacá conta que está traduzindo "The Agony and the Ecstasy of Steve Jobs" ("A Agonia e o Êxtase de Steve Jobs"), peça para um ator.
Cacá vai dirigir e atuar na montagem. A peça narra a experiência pessoal do dramaturgo americano Mike Daisey, que viajou à China para conhecer a produção de eletrônicos da Apple pela Foxconn.
O ator descobriu o texto "por acaso", porque seu autor o apresentou recentemente no Public Theatre, de Nova York, onde o Ornitorrinco havia feito shows em mais de uma ocasião, principalmente nos anos 1980. Foi a fase áurea da companhia, que teve como integrante a atriz Maria Alice Vergueiro, ainda hoje uma espécie de musa da arte "underground".
Embora Cacá atribua sua escolha à afinidade pessoal com o tema e à qualidade do texto, há por trás dela uma privação das características que colocaram o Ornitorrinco no cenário internacional.
"Sempre gostei muito de espetáculos com muita gente, sempre foi uma marca do grupo. Eu nunca me imaginei em um espetáculo solo", diz, em seu apartamento, no vigésimo andar de um prédio em Higienópolis, zona oeste.
O ator conta que houve uma encruzilhada na história do Ornitorrinco. "No ano de 2001, eu tinha encerrado Scapino', de Molière, e tirei um ano sabático. Estava cansado não do fazer artístico, mas de todo o aspecto de produção. Eu vinha ao longo de décadas emendando um espetáculo no outro, fazendo viagens internacionais e percebi que a viabilização dos projetos já estava tomando muito mais tempo do que o projeto artístico em si. Isso não estava me agradando do ponto de vista existencial."
O ano sabático de Cacá virou uma ausência de cinco anos, período no qual ele fez trabalhos para a televisão, como comentarista esportivo, primeiramente na Record, depois no SBT. "Um desses atalhos da vida", classifica.
Em 2006, o ator retomou a pesquisa do Ornitorrinco: dirigiu "O Marido Vai à Caça", de Georges Feydeau. Em 2008, apresentou "A Megera Domada". "Mas, de 2006 para cá, o grupo se tornou bissexto, embora a chama da estética, as coisas que sempre nortearam o fazer teatral do grupo, estejam vivos", diz.
Cacá não é contra o sistema de editais e leis de incentivo, mas aponta problemas gerados pela pouca importância que a renda em bilheteria tem hoje no balanço das contas. "Isso não é geral, mas a peça hoje termina no coquetel para o patrocinador, pois ali cumpriu-se o combinado."
