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Mônica Bergamo

A dama do museu

Seis anos depois de deixar a presidência do MuBE, Marilisa Rathsam vê da janela de casa tudo o que os sucessores fazem. Já invadiu reuniões e até fotografou as goteiras do lugar

Dona Marilisa Rathsam é a pedra que dói no sapato dos diretores do MuBE, o Museu Brasileiro da Escultura, localizado numa das regiões mais nobres de São Paulo.

Ela mora bem em frente à instituição, na rua Alemanha, no Jardim Europa. Da janela do seu quarto, observa tudo o que se passa nas dependências do lugar. E andava angustiada.

Uma das fundadoras do MuBE e sua presidente de 1995 a 2008, ela não se conformava com a iniciativa da atual gestão de retirar, da entrada do prédio, as placas de bronze com os nomes dos que, no passado, assinaram polpudos cheques para ajudar a erguer o museu. Entre eles, o de sua mãe, Aracy Rodrigues, e o dela própria.

Recentemente, depois de ver, à noite, que a luz da sala de reuniões estava acesa, atravessou a rua e foi até lá. Segundo alguns diretores, "invadiu" o lugar e, nervosa, chegou a dar um beliscão em uma das integrantes do staff. "Ah, me arrependi tanto", diz ela. Dias depois, voltou ao museu. Entregou a cada diretor um bilhete pedindo perdão. "Estamos íntimos de novo, a amizade voltou. Nos abraçamos, beijamos. Foi um tal de declarar amor... Está tudo bem. Estou feliz."

Os diretores consideram que é questão de tempo: dona Marilisa voltará à vigilância. Dias antes da briga, ela tinha ido ao prédio com seu mordomo, Normando, para fotografar as goteiras do lugar.

"Fui numa hora em que estava todo o mundo almoçando", contou ela à coluna no começo do mês. No dia da entrevista, ainda não tinha feito as pazes com a diretoria ("Agora não quero falar mais deles, não posso balançar a amizade") e abriu o coração.

"Está abandonado aquilo [o museu]. No meu tempo, eu pedia dinheiro para empresas. Agora ninguém pede porque não dão." A seu pedido, Sandra Brecheret, filha do escultor, assinou texto dizendo que a única coisa que o MuBE hoje faz é "um barulho insuportável" por causa de "ônibus chegando da periferia lotados" para eventos que atraem "carrinhos que vendem vodca, uísque e pinga".

Desde que foi destituída da presidência, dona Marilisa teve três disputas judiciais com a instituição. Um dos processos, segundo seu sucessor, Jorge Landmann, pedia que um busto dela própria, em bronze, fosse colocado nos jardins do MuBE. Outros dois, que o lugar voltasse a se chamar Museu Brasileiro da Escultura Marilisa Rathsam, como era até 2008. "Ela perdeu", diz Landmann. "Não tem sentido deixar o nome de pessoa viva no prédio."

Dona Marilisa diz que não quis brigar. "Suspendi o processo porque, olha, o melhor caminho é a gente se entrosar. Todos queremos o bem do museu." O busto, feito a pedido "de um diretor que não quer aparecer", está em sua casa. O plano agora é colocá-lo numa praça na esquina da rua.

O fato é que dona Marilisa saiu do museu, mas o museu não sai de dentro dela. "Eu adoro", diz.

"Do meu quarto, eu via o Paulo Mendes da Rocha [arquiteto que planejou o prédio, nos anos 1990] chegando. Eu ia para lá e ficava dez horas. Organizei a comissão de obras, tanta coisa eu fiz. Meu marido [Marius] dizia para o Normando [mordomo]: Diga à dona Marilisa que, se ela não vier agora, vou almoçar no clube [Harmonia]'."

Filha única de um casal que administrava imóveis da própria família, em SP, ela nasceu "na rua Epitácio Pessoa, 8, que hoje é avenida Ipiranga, 313, um prédio que vovô construiu bem no lugar da casa em que eu nasci". Estudou no tradicional Colégio Des Oiseaux. Nas férias, viajava com a mãe para Paris.

"Ela adorava, falava um francês castiço." Em museus e exposições, aprendeu a amar as artes. Aos 23 anos, começou a pintar. Em sua casa, entre tapeçarias francesas, candelabros, lustres de cristal e pratarias, estão mais de 30 quadros que pintou, incluindo um autorretrato.

Nos anos 80, já casada e vivendo na rua Alemanha, engajou-se no que moradores do Jardim Europa definem como um dos primeiros movimentos urbanísticos e ecológicos do país: a briga para evitar a construção de um shopping center na esquina da av. Europa com a sua rua.

Ainda candidato, Jânio Quadros prometeu desapropriar o terreno. Eleito prefeito, em 1985, fez uma reunião com os moradores. "Ele disse: Eu não quero fazer um jardim no meio dos Jardins. Quero dar um fim nobre ao espaço'. Levantei então a mão e falei: Eu faço um museu'. Olha que louca, meu marido quase desmaiou."

O prefeito fez um contrato de comodato, por 99 anos, com a SAM (Sociedade de Amigos dos Museus), presidida por Marilisa. Que foi bater na porta de endinheirados para levantar fundos para a construção do MuBE, num esforço reconhecido até por aqueles com quem ela hoje tem desavenças. O museu foi inaugurado em 1995.

"Ciccillo Matarazzo [fundador do MAM, Museu de Arte Moderna] comprava Modigliani, Niomar [Moniz Sodré, do MAM do Rio] comprava Mondrian [...] Marilisa pertence a esta elite voltada às artes", já escreveu o curador Fábio Magalhães. Sob a presidência dela, foram inúmeras as exposições: Max Ernst, César, Giorgio de Chirico.

O fim de seu período, no entanto, foi conturbado. O MuBE foi apelidado de Museu Brasileiro de Eventos ("Eram festas para meus amigos ricos, que davam dinheiro para o museu"). As desavenças com Andrea Matarazzo, então secretário de Subprefeituras, eram constantes ("São rivalidades que passam. Sou amiga da Tereza, mãe dele, e até ajudei na eleição dele a vereador"). O prefeito Gilberto Kassab ameaçou romper o comodato.

Seis anos depois de deixar o MuBE, dona Marilisa segue na janela, atenta. Na semana passada, prometeu ajudar na arrecadação de R$ 4,5 milhões para uma grande obra de restauração que, entre outras coisas, deve por fim nas goteiras do museu.


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