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Mendes da Rocha ganha 1ª edição completa

Livro reúne esboços, desenhos, documentação e fotos de todas as construções do vencedor do prêmio Pritzker

Com organização do pesquisador italiano Daniele Pisani, título sairá em novembro pela editora Gustavo Gili

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Sentado à mesa em que fez os primeiros desenhos do ginásio do Club Athletico Paulistano, há mais de 50 anos, Paulo Mendes da Rocha lembra um projeto esquecido também na ala do esporte.

Era o cenário de um campo de futebol que fez para uma peça de teatro em que os personagens tentavam, sem sucesso, jogar bola num terreno acidentado e, por fim, toda a terra --ou o palco-- se endireitava ao som do "alarido de um Fla-Flu no Maracanã" e a bola rolava solta.

"Quando as pessoas veem um jogo de futebol, não pensam que talvez o maior espetáculo é aquele plano horizontal perfeito construído sobre a superfície curva da Terra, que é uma esfera", diz o arquiteto. "É um espetáculo da mecânica que ninguém avalia como uma maravilha."

Mendes da Rocha voltou a observar essa e outras "maravilhas" agora que um novo livro, com lançamento em novembro pela editora Gustavo Gili, reúne pela primeira vez sua obra completa --construções que exaltam, em maior ou menor grau, a beleza retilínea dos planos horizontais.

Daniele Pisani, estudioso italiano que ficou quatro anos enfurnado no escritório do arquiteto, reuniu em um volume 500 desenhos, fotografias e plantas de cinco décadas da carreira do vencedor do Pritzker por trás de marcos paulistanos, como a reforma da Pinacoteca do Estado e a marquise da praça do Patriarca.

"Ele me deu livre acesso a todos os arquivos. Vi projetos nunca construídos e versões desconhecidas de obras que já existem", diz Pisani. "Todos têm uma monumentalidade que vem da estrutura."

No caso, suas obras que se alastram em linha reta, coladas ao horizonte, quase sempre ancoradas na mudez estoica do concreto aparente, não parecem monumentais, não fosse o espetáculo ali um processo construtivo extraordinário, como um corpo que exalta o próprio esqueleto em vez dos músculos ou da pele.

É dessa forma que Mendes da Rocha descreve até hoje as soluções adotadas no desenho do ginásio do Paulistano --um anel de concreto central que coroa a quadra esportiva sustentado por cabos presos do lado de fora, distribuindo todo o peso da construção para seus arredores.

"Inventei essa estrutura ao contrário, pensando na indeformabilidade do círculo", diz o arquiteto. "As cúpulas das catedrais, de Florença a Brasília, são baseadas nisso. É uma virtude geométrica que permite abrir o estádio àquela pujança da rua Augusta."

CONSTRUÇÃO DO PAÍS

Mendes da Rocha, 84, não disfarça o saudosismo. Ele fala do Paulistano, desenho vencedor do grande prêmio da Bienal de São Paulo em 1961 e escolhido em um concurso que tinha no júri o autor do Museu de Arte Moderna do Rio, Affonso Eduardo Reidy, como sua porta de entrada no grupo de "arquitetos encarregados de construir o país".

Não demorou e João Batista Vilanova Artigas, mentor ideológico do brutalismo paulista que hoje tem em Mendes da Rocha seu maior expoente vivo, chamou o então jovem arquiteto para ser seu assistente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

"Ele tinha uma personalidade extraordinária", diz Mendes da Rocha sobre Artigas, que morreu em 1985. "Suas aulas seduziam a todos com uma visão ampla e argumentos sobre a construção da cidade contemporânea."

Mas muito disso não passou de visões. Com o golpe militar em 1964, Artigas foi preso e depois se exilou, abortando os anseios revolucionários do que se firmava como nova arquitetura paulista. Mendes da Rocha, cassado e perseguido, também passou boa parte dos anos 1970 envolvido com projetos menores, como residências.

Todas elas, em especial uma casa projetada, mas nunca construída em Catanduva, no interior paulista, têm ampla documentação no livro e mostram experimentos que Mendes da Rocha faria depois em projetos de maior escala.

Só com o fim da ditadura, o arquiteto, que diz nunca querer ter feito uma casa, começou a reforma da Pinacoteca e a tirar do papel o Museu Brasileiro da Escultura, seus "projetos dos sonhos".


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