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Autorretrato da classe média
Para além de violência, índios e exotismos, mostra latino-americana exibe fotógrafos que exploram temas de seu próprio extrato social
Durante dez anos, o colombiano Juan Pablo Echeverri, 34, acordou todos os dias de sua vida com um único objetivo: se produzir com um visual diferente, ir até a loja "FotoJapón" e se autorretratar em uma foto 3x4.
Quando a obsessão do fotógrafo chegou a 3.000 registros, houve quem encontrasse na diversidade de seus autorretratos uma representação sobre a classe média na América Latina, tema da mostra"Fotonovela - Sociedade/Classes/Fotografia", que abre amanhã, no Itaú Cultural.
Para Claudi Carreras e Iatã Cannabrava, curadores da exposição, a multiplicidade do trabalho do colombiano tem a ver com a dificuldade de compreender uma América Latina em transição e que também é global.
Com 25 artistas de 13 países, a mostra quer introduzir novos assuntos nas interpretações fotográficas locais.
CONSUMO E ASCENSÃO
"O detonante [da exposição] foi o júri de um concurso em que vimos 90 mil imagens em uma semana", explica o catalão Carreras.
"E 89 mil eram fotos de violência, exotismo e questões indígenas, que é uma tônica da representação do continente através da fotografia. Mas, hoje, alguns indivíduos começam a perceber que há de se documentar outras realidades", completa o brasileiro Cannabrava.
Em dois andares do instituto, símbolos de consumo e ascensão social substituem as cenas de pobreza e tradições locais.
O shopping, presente nas fotos de Claudia Jaguaribe, o aeroporto e a praia, nas imagens de Cássio Vanconcellos e, especialmente, a empregada doméstica são figuras emblemáticas que permeiam a mostra, como nos trabalhos de Daniela Ortiz e do brasileiro Andre Penteado.
Ambos dividem uma pequena sala "escondida" na exposição, clara alusão aos "quartinhos de empregada".
Enquanto Penteado compila propagandas e programas de TV sobre trabalhadoras do lar, a peruana compara o tamanho dos dormitórios de 60 plantas arquitetônicas de casas da classe alta de Lima --evidenciando as minúsculas condições espaciais das habitações de serviço.
"Em alguns casos era completamente possível incluir uma janela [no quarto]. Ou ainda, quando havia uma, a vista dava para um pátio ou uma garagem", conta Ortiz.
O viés de denúncia social surge diluído em diversos ensaios, mas não é o tom predominante da mostra.
Aspectos psicológicos do tema são traduzidos por meio de autorretratos de fotógrafos que constituem a própria classe média.
"O autorretrato possibilita um entendimento do mundo através de si", explica Cannabrava. Um exemplo são as fotografias da artista brasileira Sofia Borges e o ensaio do uruguaio José Pilone.
Seguindo um rígido padrão, o artista registra a si mesmo nu, em frente a um armário, escondendo a genitália com pilhas de roupas.
Pilone, que é funcionário público, discute a repetição da rotina diária do trabalhador da classe média e as roupas como máscaras sociais.
Segundo Everardo Rocha, 62, professor do departamento de comunicação social da PUC-Rio, "para determinar uma classe social, deveria se olhar para estilos de vida, hábitos existenciais e não para renda".
A definição está alinhada com o sonho de consumo presente nas 60 imagens da paulistana Helena de Castro. Em "Da série Luca", a fotógrafa registra obsessivamente, por meio do aplicativo Instagram, a rotina de seu filho em restaurantes, parques e viagens internacionais. Nada mais classe média.