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Crítica - Drama

Irmãos Coen retratam sem caricatura anti-herói azarado

CÁSSIO STARLING CARLOS CRÍTICO DA FOLHA

Desde "Gosto de Sangue" (1984), a filmografia dos irmãos Coen se impôs com um tipo peculiar de humor, inteligente e ácido, e com um interesse recorrente pelo destino de perdedores ou, o que dá no mesmo, de excluídos do sonho americano.

"Inside Llewyn Davis "" Balada de um Homem Comum" acompanha, portanto, um típico personagem dos Coen, um cara já não tão jovem que teima em ser músico na Nova York no início dos anos 60.

Como anuncia o título, essa é uma história íntima, contada de perto. Do início ao fim, ficaremos, portanto junto a esse pobre coitado. Escutaremos sua lamúria na forma da canção folk com que ele se apresenta num bar na primeira cena e seguiremos cada passo de sua vida sem rumo por sofás, caronas e bancos de estação, onde ele tenta descansar um corpo que, apesar de jovem, mal se sustenta.

Davis é uma espécie de rei Midas ao contrário, pois tudo o que toca dá errado. Perdeu o amigo com quem formava dupla. Numa transa ocasional, engravida a amiga. Ao sair da casa de um professor que lhe oferece abrigo noturno, deixa o gato fugir. Entra numa fria ao tentar escapar da vida dura em Nova York e vai parar na gélida Chicago, onde nem conhecidos encontra. Por fim, quando resolve desistir de tudo e reingressar na vida de marinheiro, depara-se com uma burocracia típica de Kafka.

Como uma Alice no País dos Tormentos, o périplo de Davis começa quando ele corre em busca do gato, não por acaso chamado Ulisses. Em contraponto ao animal, que dispara para longe da nossa vista, a narrativa segue colada no músico, protagonista de uma epopeia às avessas.

Pois ao contrário do herói clássico, esse é um homem sem qualidades.

Sua escolha como protagonista reafirma a vontade de um cinema diferenciado praticado pelos Coen desde a estreia da dupla há três décadas. Apesar da trajetória de sucesso, vencedores de Oscar e tudo mais, seus filmes funcionam como um antídoto ao modelo uniforme de narrativas hollywoodianas, em que o herói ocasional de antes foi derrotado pelos super-heróis.

Herdeiros de uma anomalia que pareceu vingar nos anos 70, os Coen conseguiram preservar a aura dos anti-heróis, espécie que, no entanto, sobreviveu na TV e hoje serve de alimento cotidiano na forma dos Walter White, Don Draper e tantos outros.

Se seu Llewyn Davis parece tão próximo, é porque os Coen evitam sobrecarregá-lo com efeitos de caricatura, procedimento favorito da dupla e que nem sempre funciona. Em vez disso, seu tratamento é terno, mesmo quando exposto à crueldade dos diálogos.

Afinal, seu protagonista é como os milhões de Coen espalhados pelo mundo, um lugar onde o fracasso está ao alcance de todos.


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