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Crítica - Drama

Epifanias levam cinéfilo a esquecer o relógio durante as 9 horas de 'Heremias'

CÁSSIO STARLING CARLOS CRÍTICO DA FOLHA

Na curva de uma estrada, carroças vêm à distância. Uma ambulância as ultrapassa e desaparece. Aos poucos, a imagem e os sons dos animais que puxam os carros se definem. Na direção contrária, um homem que caminha passa em contraponto.

Esse conjunto de elementos, na cena de abertura de "Heremias Livro Um "" A Lenda da Princesa Lagarto", funciona como símbolo da proposta de cinema do filipino Lav Diaz, do qual a Mostra oferece uma retrospectiva com 12 títulos.

A característica mais anedótica da obra de Diaz é a duração. "Heremias" chega a nove horas. No entanto, se comparados com os filmes tradicionais, com seus 120 minutos regulamentares, o volume de situações aqui é irrisório. Para que então tamanha desmesura?

A imagem introdutória de "Heremias" revela parte da intenção, com uma sucessão distinta de ritmos e velocidades que impregnam a percepção do espectador.

Ao longo da primeira hora, essa temporalidade dilatada, antítese do cinema de ação, convida a outra experiência, uma hipnose conduzida pela saturação sensorial.

Heremias faz parte de um grupo de carroceiros. A certa altura, ele decide seguir sozinho. Ao longo das horas, o filme acompanha sua perambulação, em que se revela o estado social das Filipinas, sua violência latente ou explícita.

Se fosse americano, europeu, até mesmo iraniano, argentino ou brasileiro, este poderia ser um "road movie".

Esses momentos reveladores, contudo, escapam da dramaturgia tradicional. A câmera fixa e o enquadramento à distância desdramatizam as cenas, reduzem o que chamamos de "conflito" a momentos banais.

Elas funcionam como intervalos, pausas racionais na outra experiência, de ordem inconsciente, que justifica a atenção ao cinema de Diaz.

É quando seu personagem se encontra sozinho, imerso na luta pela sobrevivência, que o filme alcança sua dimensão maior, panteísta, algo que começa no limiar dos sentidos e os transcende.

Imerso nessas epifanias, o espectador esquece o tempo do relógio, não sabe se é dia ou noite, se chove ou se faz sol, se adormeceu ou se sonha acordado. Então, se fez cinema.


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