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Crítica - Romance

Como anti-herói, gato dá força a narrativa romântica alemã

SANTIAGO NAZARIAN ESPECIAL PARA A FOLHA

Animais protagonistas não são novidade na literatura. Em 1819, quando o alemão E.T.A. Hoffmann publicou seu "Reflexões do Gato Murr", já era bem conhecida a história do Gato de Botas, tanto na fábula original de Perrault, quanto na versão dos irmãos Grimm.

Há uma longa tradição no terreno das fábulas, nas quais animais tomam características humanas, a serviço de uma lição sobre a moral.

Porém a forma audaciosa como Hoffmann apresentou seu gato, no auge do romantismo, e como ela permanece inteligente e atual é o grande mérito de seu romance.

Murr é um gato doméstico, narcisista e burguês (ou "filisteu") que, observando os papéis de seu mestre, resolve se tornar escritor.

O tom do texto é delicioso e tem o narrador perfeito para satirizar os maneirismos da época, numa escrita dândi e hilária.

"Ocorreu-me, finalmente, haver lido que a indiferença e uma barba por fazer seriam marcas indiscutíveis do apaixonado!" coloca Murr ao conhecer a gatinha Miesmies. "Olhei-me ao espelho e... Céus, minha barba estava por fazer! Céus, sentia-me indiferente!"

Murr é o típico anti-herói, carregado de defeitos, mas ainda charmoso e adorável. Sua relação com o poodle Ponto, suas tentativas de escapar da burguesia e a forma como seu dono o trata como um gato qualquer, sem desprezar suas características humanas --como se costuma fazer com os animais de estimação-- são o ponto alto dessas reflexões literárias.

DOIS TEXTOS

Porém o maior problema do texto está em sua maior ousadia. Não satisfeito em criar uma fábula adulta, Hoffmann mesclou no livro páginas da biografia de um compositor chamado Johannes Kresleir (personagem recorrente em sua obra).

O gato teria misturado os dois textos ao usar as páginas da biografia como mata-borrão para seus textos.

Dessa forma, a narrativa de Murr é constantemente interrompida pela história de Johannes, que, apesar de bem-humorada e de se comunicar aqui e ali com a história do gato, resvala a uma sátira convencional da época.

Não deixa de ser sintomático que a obra seja conhecida como "o romance narrado por um gato", mesmo com a biografia de Johannes Kresleir ocupando mais da metade do volume.

É comum ler relatos de leitores que simplesmente pulam essas páginas e se dedicam exclusivamente à obra do gato, uma leitura possível.


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