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Tomie 100

Exposições no Rio e em São Paulo celebram o aniversário da artista dos círculos e das 'pinturas cegas'

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Um fino círculo vermelho surge no meio de um redemoinho cinzento. A linha frágil, quase atropelada pelas pinceladas ao redor, parece dirigir o olhar e estabilizar a composição, como elemento de força que acalma uma grande tempestade.

Tomie Ohtake afirma que o círculo, elemento central desse quadro dos anos 1990 e recorrente em sua obra, tem a ver com paz. "Gosto muito dessa forma", diz a artista, sentada em seu ateliê na zona sul paulistana. "É uma das coisas que me dão paz."

A artista japonesa, que desembarcou no Brasil vinda de Kyoto em 1936, faz hoje cem anos e abre amanhã, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, a terceira e última das mostras que celebram seu centenário neste ano.

Enquanto isso, o Museu de Arte do Rio exibe a série de telas que a artista realizou com os olhos vendados entre o fim dos anos 1950 e o início dos 1960, conhecidas como suas "pinturas cegas".

"Nunca pensei que estaria viva aos cem anos, mas essa idade chegou sem que eu sentisse nada", diz Tomie. "Só sei que gosto muito de trabalhar e fico feliz pintando."

De fato, as paredes de seu ateliê, no bairro Campo Belo, ostentam quadros recém-terminados. Algumas telas saíram nesta semana de lá para compor a mostra no centro cultural que leva seu nome.

"Meu pincel tem ficado mais movimentado", conta Tomie. "Sempre pensava antes numa luz que batia de frente sobre a tela, mas agora mostro uma luz que vem de trás e vai deixando uns pontos brancos no caminho."

Da luz frontal a essa que emerge do fundo da tela, Tomie parece ter trilhado uma rota circular, condensando experimentos que ao longo de suas seis décadas de carreira vêm submetendo estruturas geométricas a uma liberdade feroz de composição.

"Ela sempre trabalhou nesse limite entre o gesto e a abstração geométrica", diz o filho Ricardo Ohtake.

Ela conta que, nos anos 1950, quando conheceu o crítico Mario Pedrosa e o artista Willys de Castro, muitos enxergavam anseios concretistas em seu trabalho. O filho diz que tentaram enquadrar a obra da mãe como versão menos rígida do concretismo.

"Sempre desenhei curvas e retas, mas faço tudo com a mão, então não fica perfeito", diz Tomie. "Gosto mais de fazer essas formas livres."

Livres e imperfeitas. Paulo Herkenhoff, crítico e curador das atuais mostras da artista em São Paulo e no Rio, lembra a recorrência dos círculos um tanto distorcidos na tradição zen-budista como "desafio" que serve para "vivenciar a própria imperfeição".

Foi nessa pegada que Tomie fez suas pinturas com os olhos vendados, uma ideia de Mario Pedrosa. "Ele sugeriu que eu pintasse uma tela toda de preto, sem olhar onde estava a tinta", conta a artista. "Depois vi que meu trabalho é desse jeito mesmo. Com uma tela em branco, não se sabe por onde começar."

Mas o fim será sempre abstrato. Mesmo quando arquitetava suas composições usando recortes de revistas como ponto de partida, nos anos 1970, Tomie diz nunca ter seguido um plano rígido.

"Numa obra figurativa, você pinta o que já existe. Mas o abstrato é a ilustração mais profunda do meu pensamento", diz Tomie. "E essa profundidade está em usar elementos pictóricos abstratos para ressaltar só os elementos essenciais da pintura."


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