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Crítica - Romance

Narrativa tradicional mina nova obra de Andréa del Fuego

BEATRIZ RESENDE ESPECIAL PARA A FOLHA

"As Miniaturas", o segundo romance de Andréa del Fuego, lançado depois do reconhecimento que a autora recebeu com o prêmio Saramago, é uma narrativa peculiar, original.

Já sabemos que a literatura brasileira é predominantemente realista. Entre nós não vingou o real-maravilhoso latino-americano.

Aí está o mais interessante nessa experiência da autora, arrojar-se no limites do imaginário, criando uma narrativa que se move entre o mundo da realidade cotidiana e o espaço imaginário da produção dos sonhos.

Três vozes constroem o romance: a do oneiro (oneiros são entidades da mitologia grega que seriam responsáveis, junto com os mais conhecidos Morfeu e Hypnos, pela fabricação e controle dos sonhos), a da mãe (uma motorista de táxi) e a do seu jovem filho.

Os oneiros habitam e trabalham no edifício Midoro Filho, no centro da cidade, junto a leitores de sorte, geralmente ex-oneiros que perderam seu posto, e são visitados pelos sonhantes.

Como parte do processo de provocar ou dirigir sonhos, como acontece com mãe e filho, os oneiros mostram a eles as miniaturas, redução em tamanho de objetos da vida real: um escafandro, uma luneta ou um anel. A materialidade de tais figuras ajudaria na elaboração dos sonhos.

A vida e as atividades dos oneiros são rigidamente organizadas por regulamentos e decisões vindas não se sabe de quem ou de onde, incluindo punições e afastamentos dos que não cumprem adequadamente suas tarefas. Mas essa burocracia instituída não se sabe por quem, nem por que, não é novidade, Kafka já esgotou toda a possibilidade de tais processos nos causarem estranheza ou indignação.

Mãe e filho falam da realidade mesquinha que vivem entre corridas mal pagas, trabalho como frentista num posto de gasolina, da falta de dinheiro e de amor, capaz de esmagar qualquer sonho.

No contraste entre a possibilidade de ter sonhos induzidos, a possibilidade da livre associação de ideias produzidas nos sonhantes e a materialidade dos embates diários na luta pela sobrevivência, está o mais instigante que o livro propõe.

O estranhamento que uma narrativa pode proporcionar se dá pelo tema ou pela configuração da linguagem e estruturação da narrativa. Melhor se pela conjunção dos dois recursos, como nos mestres do absurdo.

Aí surge o problema de "As Miniaturas". Ainda que a lógica que rege a movimentação de sonhantes e oneiros seja uma lógica própria, de organização interna, a narrativa termina por ser constituída por recursos tradicionais, pouco ou nada inovadores.

O resultado acaba sendo a criação de uma narrativa como outra qualquer. Para a contista que tem sacudido leitores, é pouco.


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