Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica correspondência

Conteúdo de cartas de Fernando Pessoa à noiva revela impossibilidade amorosa

Fernando Pessoa encaminhou a possibilidade de uma vida a dois para dissolução

FELIPE FORTUNA ESPECIAL PARA A FOLHA

As cartas encaminhadas por Fernando Pessoa à sua infelicíssima noiva, Ophélia Queiroz, foram reveladas aos leitores em 1978.

A "primeira fase" dessas cartas percorre todo o ano de 1920, quando uma jovem moça lisboeta, bem versada na língua francesa, está trabalhando num escritório comercial, onde conheceu o poeta.

A "segunda fase" começa depois de uma ruptura de nove anos: aquela moça, ainda muito apaixonada, pede uma foto ao poeta e, assim, reinicia um ciclo de correspondência de 1929 a 1930.

A edição portuguesa tem por título "Cartas de Amor de Fernando Pessoa". As "Cartas a Ophélia" surgem de uma edição espanhola e trazem algumas desvantagens: a mais gritante é a omissão do texto "O Fernando e Eu", no qual Ophélia Queiroz faz comentários sobre sua relação com o poeta, até mesmo quando ele, "sem eu esperar, agarrou-me pela cintura, abraçou-me e, sem dizer uma palavra, beijou-me, beijou-me, apaixonadamente, como louco".

Num apêndice, foram publicados alguns poemas supostamente relacionados às cartas amorosas --incluindo-se o arquiconhecido "Todas as cartas de amor são/ Ridículas", assinado pelo heterônimo Álvaro de Campos.

Foi o mesmo que escreveu, no poema "Lisbon Revisited", de 1923: "Queriam-me casado, fútil quotidiano e tributável? (...) Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho./ Já disse que sou sozinho!/ Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!" Mas esse poema não consta do apêndice.

Se não há dúvidas de que Fernando Pessoa esteve apaixonado, tampouco se pode negar que o poeta encaminhou a possibilidade de uma vida a dois para uma dissolução: primeiramente, infantilizou a figura da noiva, tratada por ele como Bebé, Bebezinho, Nininha; em seguida, estabeleceu um sólido triângulo, ao introduzir Álvaro de Campos na relação. Ophélia declarou algumas vezes detestar o heterônimo, que chegou também a lhe escrever.

Os que esperavam ver a vitória do amor nas cartas de Pessoa ficaram decepcionados: em 1929, ele escreve à moça esperançosa que "a minha vida gira em torno da minha obra literária --boa ou má, que seja, ou possa ser. Tudo o mais na vida tem para mim um interesse secundário."

Na famosa "carta de ruptura", escrita em 29 de novembro de 1920, o poeta já havia declarado que "isto de outras afeições' e de outros caminhos' é consigo, Ophelinha, e não comigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam."

Um caso clínico, como se vê, o Fernando Pessoa (e o Álvaro de Campos) das cartas ditas de amor --e, em qualquer circunstância, um amante frustrante e frustrado. A dolorosa e comovente interlocução com Ophélia Queiroz veio à tona em 1996, quando as interjeições apaixonadas (essas sim) e até desesperadas da noiva foram publicadas pela primeira vez.

Há pouco foi editado "Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz "" Correspondência Amorosa Completa" (Capivara), documentação preciosa que traz a correspondência integral dos dois namorados.

É até estarrecedor acompanhar a fúria da noiva amorosa e rejeitada em relação ao homem que somente a beija em situações histriônicas e é incapaz de propor casamento. Aqui, sim, se percebe que a ideia de "ligações perigosas" pode ter sentidos bem menos eróticos e atraentes.

CARTAS À OPHÉLIA
AUTOR Fernando Pessoa
EDITORA Biblioteca Azul
QUANTO R$ 34,90 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página