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Crítica drama
'A Grande Beleza' vale segunda ida ao cinema
Filme de Paolo Sorrentino vai além do apelo inegável do protagonista ao desferir ataque cínico à arte 'moderna'
Em um final de ano magro nos cinemas, o italiano "A Grande Beleza" é, ao lado do "Blue Jasmine" de Woody Allen, o programa irresistível para o cinéfilo sitiado na cidade.
São filmes que podem ser vistos com prazer mais de uma vez --o que não é o caso do muito bom "Azul É a Cor Mais Quente", apesar das francesinhas graciosas.
Mas não é grande a frequência nas salas que exibem "A Grande Beleza". Há tempo de corrigir isso, no clima persistente de feriado no primeiro fim de semana do ano.
É apropriada a comparação com o Antonioni de "A Noite" e, principalmente, o Fellini de "A Doce Vida". A jornada hedonista de Jep Gambardella, escritor de um único e elogiado livro e repórter cínico de revista esnobe, poderia ser protagonizada por um Marcello Mastroianni (1924-1996).
Mas Toni Servillo, ator de 54 anos interpretando alguém de 65, é uma das razões do sucesso do longa. Acompanhá-lo em seu balanço da vida mundana fascina, mas a empatia do público com ele pode ofuscar uma segunda e importante leitura do filme.
É possível isolar os episódios em que Gambardella assiste a performances de artistas "modernos" e os entrevista. O que se vê é uma sucessão de embates entre a ironia inteligente do escritor contra o vazio de simulacros de arte.
Entre uma atriz nua que bate a cabeça violentamente num muro e a menina de dez anos que "pinta" quadros com jorros de tinta, Sorrentino investe com fúria bem-humorada contra o beco sem saída de uma significativa parcela da arte contemporânea.
O que surpreende é ver esse ataque subversivo surgir em um filme belíssimo e --ainda bem-- um tanto "antiquado".