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Crítica contos

Autor revê colonização sem bom-mocismo

Coletânea de textos cobre mais de 20 anos de atividade literária do escritor angolano José Eduardo Agualusa

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

Quinze anos atrás, José Saramago ganhava o Prêmio Nobel de Literatura, o primeiro e único conferido à língua portuguesa. Até então, o que era, para o brasileiro médio, a literatura em português feita fora do Brasil? Quase um deserto.

Mas agora tudo realmente mudou: autores recentes, portugueses, angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos estão nas livrarias brasileiras em presença farta.

Esse é um marco para avaliar "Catálogo de Luzes (Os Meus Melhores Montos)", de José Eduardo Agualusa, lançado pela Gryphus.

Angolano com vivência sólida tanto em Portugal quanto no Brasil (e noutras partes do Ocidente), ele apresenta aqui um cartão de visitas de várias facetas. Algo as une?

Sendo uma coleção a recobrir percurso de mais de 20 anos de atividade escrita, difícil encontrar constantes. Acresce que não é apenas uma coleção de contos, porque talvez metade do conjunto seja de crônicas, e a indistinção formal entre uma coisa e outra, no título, mais atrapalha do que ajuda.

Há textos que lidam com informações remotas no tempo (são "contos históricos", tanto quanto há "romances históricos"), evocando a colonização portuguesa na África e explorando variações em torno do tema do choque entre a cultura europeia moderna e a africana tradicional.

Nesses casos, a posição do narrador (ou do autor ele mesmo) é sempre solidária com a posição histórica e com a visão de mundo dos colonizados, para celebrar sua resistência ao colonizador.

Uma opção formal recorrente confirma essa escolha ideológica: é muito frequente o relato assumir o andamento de um "causo", um depoimento pessoal, às vezes centrado na figura de um velho. Nisso, de resto, reside muito da força do livro.

Há também textos de outra matriz, mais recente, até mesmo algumas páginas de pós-modernismo metaficcional.

Tal é o caso do conto-blague "O Inferno de Borges", em que se fantasia a chegada do escritor portenho ao Além, onde encontra não o paraíso de uma biblioteca infinita ou os estimados tigres rajados, e sim uma inacabável plantação de bananas, em meio à qual surge uma sensual mulher. É quando Borges se dá conta de que aquele paraíso era para García Márquez, não para ele...

Mas na maioria dos textos predomina um sabor de depoimento, misturado com memória e temperado por uma aguda consciência pós-colonial --termo que neste caso faz todo o sentido. Por certo não se cogita celebrar o passado colonial, mas igualmente não se trata de aplaudir, simplesmente, o que aconteceu depois da independência (a de Angola ocorreu em 1975 e foi sucedida por uma guerra civil que se arrastou por mais de 20 anos).

O resultado é um tom geral que poderia ser de ironia, de crítica ou de angústia, mas é apenas de ceticismo, difuso por crônicas e contos. Como ponto de fuga, há a solidariedade para com os fracos, os velhos, os nativos, os enganados pelo trem da história. Esse é seu refúgio, que tem mérito literário e é preferível ao bom-mocismo culposo.


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