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Crítica romance

Autor falha ao procurar foco poético para guerra violenta

'Bom Dia, Camaradas', de Ondjaki, aborda questões políticas de Angola

ALCIR PÉCORA ESPECIAL PARA A FOLHA

Ondjaki, pseudônimo do prolífico escritor angolano Ndalu de Almeida, 36, acaba de lançar, no Brasil, "Bom Dia, Camaradas", novela de 2001, narrada em primeira pessoa por uma criança de nome Ondalu.

O pano de fundo do livro é o último ano da guerra civil angolana, que envolveu principalmente os dois maiores grupos que participaram da independência do país, MPLA e Unita.

O conflito não teria chegado onde chegou, com meio milhão de mortos e alastramento pelos países vizinhos, não houvesse sido também palco dos jogos da guerra de soviéticos, chineses, norte-americanos, e satélites, como Cuba e África do Sul.

Entretanto, ao tomar como centro da narrativa as impressões infantis, a atenção do livro se divide entre as conversas e gracejos com os amigos na escola; a imagem simpática dos professores cubanos, tão valentes como atavicamente famintos e incapazes de compreender o enredo das vidas locais; o velho motorista António que preferia "o tempo dos brancos"; a visita de uma tia que vivia em Portugal e estranhava os "cartões de racionamento" e o culto autoritário do presidente, por meio de datas cívicas e palavras de ordem.

Esse conjunto de ações que, de modo geral, tende a valorizar as pessoas comuns e a guardar distância do debate político-ideológico das facções em luta, não chegaria a despertar maior interesse se não existisse, sobretudo, como preparação de uma cena central: o suposto ataque do bando de marginais do Caixão Vazio contra a escola.

O Caixão Vazio, cuja existência nunca foi comprovada, era célebre em Luanda pela forma cruel como atacava escolas, desaparecia com crianças, matava professores homens, estuprava mulheres, além de cortar-lhes os seios e pregá-los nas paredes como assinatura de sua passagem --uma possível versão do terror infantil para as atrocidades da guerra.

O ataque é o núcleo do livro: as expectativas pânicas autoverificadas; o discurso heroico fora de hora do professor cubano; o salve-se quem puder dos alunos; a técnica velocista da professora coxa de inglês (que ocupa as duas ou três melhores páginas do livro); o reforço da amizade de Ondalu com Romina; a acareação posterior dos acontecimentos e, enfim, a resolução que afunda a solenidade oficial.

No contraponto da graça, está a intensificação do sentimento melancólico de passagem do tempo: a tia se vai, vai-se o velho cozinheiro, finda o ano escolar, a paz é anunciada com a consequente desmobilização dos cubanos.

Sinais de que Angola entra num novo ciclo histórico, mesmo que a marca do fim seja ainda mais forte que a de um começo.

Em termos de condução discursiva, Ondjaki contrapõe as hipérboles infantis desencontradas, o ditado oficial, as palavras de ordem cívicas e o laconismo dos mais velhos. A eloquência das crianças é reforçada pelo uso contínuo de anáforas, isto é, de repetições enfática de locuções, e também pelo emprego de figuras de sinestesia, que associam sons, cheiros e movimentos.

A intenção evidente é a valorização da impregnação poética da ação, mas nem sempre funciona: além de certa redundância de recursos, não raro os efeitos são rasos, com atalhos sentimentais para questões políticas dramaticamente complexas.


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