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Mexicana recria traumas em romance

No autobiográfico 'O Corpo em que Nasci', Guadalupe Nettel aborda, com bom humor, problema grave de visão

Autora, que se sentiu um 'porquinho-da-índia' nas mãos dos pais, disseca sensação de marginalidade

RAQUEL COZER COLUNISTA DA FOLHA

A geração que cresceu sob o conservadorismo dos anos 1950 viria a criar seus próprios filhos, duas décadas depois, como porquinhos-da-índia, na avaliação da mexicana Guadalupe Nettel, 40.

Para a escritora, hoje com a impressão de ter sido um desses bichinhos usados para testes em laboratórios, a preocupação dos jovens pais dos anos 1970 em evitar os erros de seus genitores os fez pecar por um excesso de desbunde ao educar sua prole.

Essa experiência percorre o romance "O Corpo em que Nasci" (Rocco), de Nettel, que cresceu junto a crianças de nomes estranhos, cujos pais transavam na frente dos filhos, e chegou a morar numa casa comunitária, onde tudo era de todos e de ninguém.

Mas foi a máxima de que a comédia é a tragédia vista com distanciamento que, a partir de um aspecto outrora doloroso para a autora, norteou a obra autobiográfica.

Nascida com um olho menor que o outro e uma mancha na córnea, Nettel passou a infância com um tampão na vista boa, na tentativa de estimular a defeituosa, de modo que, para ela, o mundo não passava de um borrão.

"Foi interessante descobrir que poderia rir de coisas que por anos me atormentaram. Percebi que, às vezes, o que vivemos e interpretamos como fatalidade pode ter consequências favoráveis", diz.

No caso de Nettel, pode-se dizer que a consequência foi uma produção literária reconhecida em vários países, embora no Brasil esta seja sua primeira obra publicada.

Doutora em ciências da linguagem na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, autora de quatro livros de contos, um de ensaios (sobre Cortázar) e dois romances, Nettel recebeu prêmios no México, na França e na Alemanha e é citada pela crítica como uma das melhores autoras de sua geração.

AMBIENTES MARGINAIS

A narradora de "O Corpo em que Nasci", além de lidar com o problema de vista e os pais porra-louca, cresce em ambientes marginais.

Na Cidade do México, vive numa vizinhança de exilados das ditaduras da América do Sul, entre os quais se identifica com uma garota que acaba cometendo suicídio.

Ao se mudar com a mãe para a França, a narradora vai morar num subúrbio com 90% de árabes em Aix-en-Provence --onde chega a derrubar a chutes um adolescente que, a título de "piada", insinua a intenção de estuprá-la em um acampamento.

"Independentemente da nacionalidade ou da etnia, aquelas pessoas tinham deixado seu país para tentar uma nova vida e se sentiam desprezadas", diz Nettel.

Menosprezada por crianças que, em si, eram rechaçadas pela sociedade, a escritora passou a abordar em toda a sua obra o tema da normalidade --ou da vã crença na existência da normalidade.

"Todos temos manias, obsessões, desvios, vícios. Somos seres peculiares que passam a vida escondendo o que nos envergonha", resume.


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