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Crítica livros

Memórias de personagem vulgar geram longa invulgar

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

Em primeiro lugar, "O Lobo de Wall Street", o filme, podia servir de exemplo a qualquer professor de roteiros, roteirista ou candidato a.

A tarefa consistia em resumir e transformar em base de imagens as quase mil páginas dos dois livros de memórias de Jordan Belfort, "O Lobo de Wall Street" e "A Caçada ao Lobo de Wall Street".

O desafio consistia em captar o essencial dos livros sem adulterar os fatos. Tratava-se de não "adaptar" (trair), no mau sentido da palavra. E, ao mesmo tempo, de construir a base para uma narrativa à maneira de Martin Scorsese.

O que Terence Winter fez foi, claro, suprimir certas ações e personagens, tornar certos momentos mais didáticos, de maneira a facilitar a compreensão rápida do espectador das sujeiras financeiras em que estava envolvido o fundador da Stratton Oakmont, Jordan Belfort.

Mas tudo que está lá é, basicamente, o que Belfort conta (foi dada mais atenção a "O Lobo" do que à "Caçada"), e os momentos essenciais da narrativa foram preservados.

Ao mesmo tempo, estamos num típico filme de Scorsese: um mixaria (Jordan), com a ajuda de outro (Danny) rapidamente abala Wall Street com sua audácia (não raro desonesta) nos negócios e no modo de vida, até começar a ser atormentado pelo FBI.

Não que Jordan Belfort seja um qualquer. Longe disso. Trata-se de um homem que voltou a inteligência a ganhar dinheiro loucamente, a transar com todas as mulheres que pudesse (de preferência sua própria mulher, a quem chama de Duquesa, e prostitutas em geral), e a ingerir todos os comprimidos de quaaludes, sua droga favorita, que tivesse à sua disposição.

Sua volúpia, o estilo de vida, "as loucuras", como ele chama, tudo que o credenciava a ser um jovem cadáver, nas previsões de Wall Street, está no livro. Inclusive uma retrospectiva percepção da futilidade desse tipo de vida. Inclusive o estilo de vulgaridade exemplar.

Vejamos como se refere a Nadine, a Duquesa, a mãe de seus filhos: "Foram suas pernas que lhe conseguiram o emprego; isso e a bunda, que era mais redonda que a de uma porto-riquenha e firme o suficiente para balançar um quarteirão".

O tom está dado. O que Scorsese fez foi partir desse personagem vulgar para chegar a um filme invulgar. O que faz de Jordan um personagem típico de Scorsese é o fato de sair do nada, tornar-se trilionário em poucos anos, e correr o risco permanente de voltar ao nada (ou, pior, de acabar na cadeia).

O que torna o filme tão particular e tão superior ao livro é que o Jordan do livro é o sujeito, o narrador, enquanto o do filme é personagem: não é mais ele que se vê. Ele é visto (apesar da narração, por vezes, em primeira pessoa).

Com isso, Scorsese serve-se de suas memórias para fazer uma análise sintética, porém aguda, do funcionamento desse capitalismo pós-industrial, no qual o que se compra e vende são, basicamente, quimeras, ficções. O que conta, como explica Mark Hanna, o mestre de Jordan Belfort, é a taxa de corretagem. Essa que vai para o bolso do corretor. É a parte real.

É essa tensão entre real e fictício que faz a base do filme. Pois reais são os filhos, aos quais Jordan tem apego, a Duquesa, e, sobretudo, os agentes do FBI. São estes, aliás, que entram como contraponto na história: a "gente comum", que vive honesta e modestamente. O filme é bem mais incisivo a esse respeito do que o livro, diga-se.

Existe uma diferença sensível entre "O Lobo de Wall Street" e outros filmes sobre esses zé-ninguéns subitamente elevados à riqueza e todo o tempo ameaçados pela autodestruição.

Jordan demonstra como esse mundo de desonestidade mais ou menos intrínseca consegue se recompor mesmo depois de ser apanhado com a mão na massa. Ele é o exemplo, e suas memórias best-seller não existem à toa: mesmo fora do mercado ele ainda é uma máquina de fazer dinheiro. Para isso vive.

O LOBO DE WALL STREET
Avaliação: regular

A CAÇADA AO LOBO DE WALL STREET
Avaliação: regular


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