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Mostras discutem legado da escravidão

Exposições em São Paulo, no Rio e no Recife quebram silêncio em torno do tema quase ignorado na arte do país

Artista Afonso Tostes esculpe ossos no cabo de ferramentas de escravos; panorama vai tratar de mestiçagem

SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Um paiol erguido por escravos há mais de cem anos numa fazenda de Minas Gerais foi reconstruído na Casa França-Brasil, no Rio, centro cultural onde já funcionou um mercado de negros. Suas ferramentas, com cabos torneados na forma de ossos humanos, adornam as paredes.

"Quis fazer o caminho inverso do paiol à zona portuária, a rota que os escravos faziam a pé", diz Afonso Tostes, artista por trás da obra.

Nessa instalação visceral, Tostes, que é branco e tem olhos claros, ataca o silêncio que ronda a escravidão, um tema até agora quase ignorado nas artes visuais do país.

E ele não está sozinho. Sua mostra, em cartaz até domingo, é a primeira de uma onda de exposições neste ano que vão debater o legado da escravatura na arte nacional.

Bernardo Mosqueira, curador da mostra de Tostes, identifica uma leva de artistas contemporâneos que tiraram essas questões do baú --um sinal de que ideias, em especial sobre o que seria uma identidade negra, estão num momento de plena mutação.

"Essa noção histórica de que todo mundo é mestiço no Brasil funcionou como forma de domesticar o negro", diz Mosqueira. "O negro nunca se entendeu como negro neste país, e isso dificultou a formação de uma identidade."

Dos tempos coloniais até agora, a mestiçagem, aliás, foi vista por historiadores como origem e razão do racismo velado praticado no país.

Nesse ponto, a mistura de raças será o fio condutor da maior mostra do Instituto Tomie Ohtake neste ano. Em setembro, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz e o curador Adriano Pedrosa vão construir um enorme panorama do impacto da mestiçagem na cultura visual do país, de imagens da colônia ao último grito da produção atual.

"Durante muito tempo praticamos o preconceito de ter preconceito, e isso gera um imobilismo em torno da questão da escravidão, que ficava como algo indizível", diz Moritz Schwarcz. "Mas esse tema antes silenciado está estourando, entrou na agenda."

Um motivo por trás dessa demora a falar da escravidão, na opinião do curador Moacir dos Anjos, seria a quase canonização do concretismo como espécie de vanguarda oficial da arte brasileira.

"É uma arte sofisticada, com códigos desenvolvidos e difundidos por uma elite branca", diz Dos Anjos. "Talvez o sucesso dessa tradição tenha sufocado a emergência de outras questões no país."

Em abril, Dos Anjos vai tentar sanar em parte essa lacuna histórica, com uma exposição no Recife reunindo nomes que discutem questões de negritude em sua obra.

"Novos artistas começam a ser importantes para entender o Brasil de hoje", diz o curador. "É possível pensar em criar outros cânones que vão enriquecer a nossa tradição. Os esquemas fáceis de representação estão em xeque."

E também noções imprecisas sobre os escravos. Emanoel Araújo, diretor do Museu Afro Brasil, quer mudar a visão de negros escravizados como "selvagens" com uma mostra permanente do design criado por escravos nas lavouras e minas do país.

"Há um refinamento e um requinte nesse design", diz Araújo. "É preciso perder essa ideia de que a África era um continente selvagem."

AFONSO TOSTES
QUANDO de ter. a dom., 10h às 20h; até 23/2
ONDE Casa França-Brasil, r. Visconde de Itaboraí, 78, Rio, tel. (21) 2332-5120
QUANTO grátis

TRABALHO E ESCRAVIDÃO
QUANDO de ter. a dom., 10h às 17h
ONDE Museu Afro Brasil, parque Ibirapuera, portão 10, tel. (11) 3320- 8900
QUANTO grátis


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