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Mônica Bergamo

JOSÉ DIRCEU

"Baratas tem na Papuda, mas aprendemos a combatê-las"

Um relato sobre a rotina do ex-ministro José Dirceu no presídio da Papuda, onde aguarda a decisão sobre o tamanho de sua pena pelo Supremo Tribunal Federal

Mais de três meses depois de ser preso por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-ministro José Dirceu já estabeleceu uma rotina no presídio da Papuda, em Brasília, onde cumpre pena por causa do escândalo do mensalão.

Nesta semana, porém, tudo pode mudar. A corte decide se ele tem que responder também por formação de quadrilha, além do já definido crime de corrupção. E se deve, portanto, ter a pena ampliada para mais de dez anos e sair assim do regime semiaberto para o fechado.

Dirceu está preocupado. Caso a tese de quadrilha seja confirmada, ele corre o risco de passar 22 horas por dia dentro de uma cela. Terá direito a apenas duas horas de banho de sol. É assim a rotina de boa parte dos presos em regime fechado na Papuda. Até que consigam, em certos casos, autorização para exercer algum ofício no próprio estabelecimento.

Até agora, no semiaberto, tem sido diferente. Preso em novembro, ele ficou alguns dias trancafiado na cela, que dividia com outros condenados do mensalão como Delúbio Soares, Jacinto Lamas e o deputado Bispo Rodrigues.

Poucas semanas depois, porém, conseguiu autorização para trabalhar internamente, nas dependências do presídio. E passou a sair de trás das grades por algumas horas, de manhã e à tarde.

No começo, fazia a limpeza do pátio. Varria e lavava. Colocava defeito na, digamos, infraestrutura: a vassoura que usava era velha, com os fios retorcidos. Não dava para limpar direito os cantos do chão, que acabava sempre um pouco sujo.

"Foi uma das raras vezes em que o Zé reclamou", disse à coluna uma das pessoas que têm visitado o petista.

O relato de quase todos os que podem estar com ele -na lista dos autorizados para entrar na prisão, além dos advogados, estão nove familiares e um amigo, o jornalista Breno Altman- é unânime: Dirceu raramente demonstra estar deprimido ou angustiado. Não se queixa de quase nada. Está bem mais magro. Adotou o hábito de comer sem ingerir líquidos durante as refeições. Os cabelos estão mais curtos.

Depois de algum tempo na faxina, o ex-ministro foi autorizado, há cerca de três semanas, a trabalhar na biblioteca da Papuda. Sua função é organizar os livros.

A rotina na cela também mudou. Ela agora está mais vazia. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares conseguiu autorização para trabalhar na CUT, fora do presídio. Com isso, foi deslocado para um outro pavilhão, o CPP (Centro de Progressão Penitenciária), para onde vão os detentos que têm trabalho externo. Bispo Rodrigues e Jacinto Lamas também foram transferidos. Na cela de Dirceu estão hoje os ex-deputados Valdemar Costa Neto e o recém-chegado João Paulo Cunha. Eles dormem em beliches.

As visitas de familiares só são permitidas às quartas-feiras. Nos outros dias, porém, outras pessoas vão à Papuda para tentar ver o preso mais célebre do lugar.

Advogados que nada têm a ver com Dirceu costumam aparecer por lá. "É uma romaria", diz um dos amigos do ex-ministro. Querem apresentar para ele teses que, afirmam, permitiriam apressar seu martírio. Os agentes carcerários anotam o nome do profissional no portão e consultam Dirceu -advogados, por lei, têm trânsito livre nos presídios e o petista poderia concordar em recebê-los. Ele, no entanto, rejeita os pedidos.

Outras pessoas chegam e simplesmente pedem para fazer uma visitinha. Invariavelmente se surpreendem ao saber que Dirceu está proibido de receber visitas, com exceção das de seus familiares, e só uma vez por semana. Julgam que, "poderoso", Dirceu pode abrir a qualquer hora as portas da prisão.

Barradas, algumas chegam a esperar a chegada da advogada Anna Luiza Sousa, que acompanha oficialmente a execução da pena de Dirceu e o visita diariamente. Mandam a ele seus recados: querem um emprego. Pedem que ele interceda no governo para ajudar algum familiar. Pedem que ela pergunte a Dirceu se o petista se lembra de um amigo antigo que militou com ele contra a ditadura.

Ela passa os recados. Dirceu às vezes acha graça.

Anna Luiza é o contato do petista com o mundo exterior. É ela quem faz a ponte diária entre Dirceu e seus filhos e amigos. Eles enviam à advogada, por e-mail, quase todos os dias, recados e palavras de otimismo. A advogada anota. Na Papuda, lê tudo para o cliente. Fala com ele no parlatório, onde ficam separados por um vidro.

Dirceu então dita a ela as respostas que quer enviar.

Há alguns dias, sua enteada, Gabriela Lino, 21, enviou a ele um texto, lido pela advogada. Contava que estava agora morando sozinha, sem a mãe, em São Paulo. Uma das experiências marcantes dessa nova fase: precisou matar uma barata que apareceu no apartamento, coisa que jamais tinha feito.

Dirceu ditou a resposta à advogada, que depois enviou o texto por e-mail a Gabriela: "Não deixe de fazer o jantar [de inauguração da nova casa]. Estarei presente em espírito". Disse sentir até saudades do calor "da Pauliceia desvairada".

Deu conselhos: "Não deixe de ler, é lendo que se aprende a escrever e a viver. Já estou no 30º livro [na prisão]".

Sobre os terríveis insetos, disse: "Baratas tem aqui na Papuda, mas já aprendemos, como você, a combatê-las".

E finalizou: "Também estou com saudades, mas logo vamos nos reencontrar. Beijos do Zé". Colocou a data e o lugar: "19.02.2014. Papuda".


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